Dois perdidos numa noite suja: palavras que viraram imagens
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Description

Este artigo aborda as representações
sobre os “humilhados” a partir de Dois
perdidos numa noite suja, de Plínio
Marcos. Procuro destacar que, tanto na
peça como nas versões cinematográficas,
avultam os temas da solidão e da
decadência humana, o círculo vicioso
da tortura mútua e da exacerbação da
sexualidade. Em meio ao beco sem
saída da miséria e da violência e à
absoluta falta de sentido nas vidas
degradadas, a superexploração do
trabalho humano e a morte prematura
despontam como horizonte permanente
dos “párias” da sociedade. Página
e tela abrem inúmeras possibilidades
de leitura. Dessa forma, o texto teatral
é reescrito na filmagem e as palavras
viram imagens.

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Publié le 01 janvier 2012
Nombre de lectures 34
Langue Português

Extrait

Kátia Rodrigues Paranhos
Doutora em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Professora do Instituto de História e do Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pesquisadora do CNPq e da Fapemig. Au-
tora, entre outros livros, de História e imagens: textos visuais e práticas de leitura.
Campinas: Mercado de Letras/Fapemig, 2010. katia.paranhos@pq.cnpq.br
Dois perdidos numa noite suja:
palavras que viraram imagens
Dois perdidos numa noite suja, 1971.Dois perdidos numa noite suja: palavras que viraram imagens*
Kátia Rodrigues Paranhos
resumo abstract
Este artigo aborda as representações This article approaches the representations
sobre os “humilhados” a partir de Dois of the “wretched” based on the play Dois
perdidos numa noite suja, de Plínio perdidos numa noite suja (Two lost in
Marcos. Procuro destacar que, tanto na a dirty night) by Plinio Marcos. I seek
peça como nas versões cinematográf- to call atention to the subject of human
cas, avultam os temas da solidão e da solitude and humiliation and the vicious
decadência humana, o círculo vicioso circle of mutual torture and exacerbation
da tortura mútua e da exacerbação da of sexuality present both in the play and the
sexualidade. Em meio ao beco sem movie versions. In the midst of the endless
saída da miséria e da violência e à misery and violence and the absolute lack of
absoluta falta de sentido nas vidas meaning in those degraded lives, the super
degradadas, a superexploração do exploitation of human labor and premature
trabalho humano e a morte prematura death emerge as a permanent horizon of
despontam como horizonte permanen- society’s pariah people. Page and screen
te dos “párias” da sociedade. Página lead to various possible interpretations.
e tela abrem inúmeras possibilidades Thereby, the play text is rewriten in the
de leitura. Dessa forma, o texto teatral movie and the words become images.
é reescrito na flmagem e as palavras
viram imagens.
palavras-chave: Plínio Marcos; Dos keywords: Plínio Marcos; Dois perdidos
perdidos numa noite suja; teatro e numa noite suja; drama and image.
imagem.

“As imagens não abrigam idéias tranqüilas, nem idéias defnitivas, so -
bretudo. A imaginação imagina incessantemente e se enriquece de novas
imagens”.
1gaston Bachelard
Entre 1979 e 1984, o grupo de t eatro forja, ligado ao Sindicato dos
* Este trabalho conta com o Metalúrgicos de São Bernardo do campo (SP), notabilizou-se por encenar,
apoio fnanceiro do Conselho
na maioria das vezes, textos escritos coletivamente. A primeira experiência Nacional de Desenvolvimen-
to c ientífico e t ecnológico de montagem de dramaturgos fora do meio operário ocorreu em 1981,
(cNPq) e da fundação de Am-
com a apresentação de Operário em construção, cujas bases são poemas de paro à Pesquisa do Estado de
Minas gerais (fapemig). Maiakóvisky, Vinicius de Moraes e tiago de Melo. Em 1984 foi produzi-
36 ArtCultura, Uberlândia, v. 13, n. 23, p. 35-48, jul.-dez. 2011da a peça Dois perdidos numa noite suja, escrita em 1966, por ocasião das
comemorações dos cinco anos de existência do grupo. Aliás, o autor da
peça, o dramaturgo Plínio Marcos, era fgura constante no ABC paulista:
participou de numerosos debates, seminários e palestras promovidos pelos
sindicatos operários, assim como teve algumas de suas peças encenadas
2pelos grupos de teatro da região.
Segundo Tin Urbinati, naquele momento “as TVs estavam ve-i
culando intensamente o tema da pena de morte. A partir desse dado,
começamos a ler alguns textos do g ramsci e a peça de Plínio. Discutimos
coletivamente a questão da pena de morte e passamos a entrevistar e re-
colher relatos de desempregados na região. Dois perdidos junta o universo
da marginalidade ao do desemprego, o que dá margem para se pensar
3o que é ser ‘bandido’?”.
com efeito, entre 1981 e 1985, a indústria automobilística brasileira
despediu dezenas de milhares de operários. No ABc, as demissões chega-
ram, em agosto de 1981, a 50 mil metalúrgicos. Em São Bernardo — “capital
do desemprego” —, contavam-se vários casos, como o do operário cearense
r ubens Menezes c ardoso que, desesperado com a demissão, ameaçou
se jogar do 17º andar do prédio da prefeitura, e o de um metalúrgico de-
sempregado que, ao receber a conta de gás, entrou em crise de agitação
4psicomotora e destruiu os móveis de sua casa.
Dito isso, em geral as peças de Plínio Marcos atingem o leitor e/ou 1 BAch El Ar D, g aston. Os
Pensadores. São Paulo: Abril espectador como estilete: ao mesmo tempo, provocam repulsa e despertam
cultural, 1978, p. 196.uma angústia solitária, a necessidade urgente de intervenção. Exploram
2 inúmeros são os exemplos de o terror e a piedade no grau mais absoluto; diálogos exatos, crus, ferinos,
intervenção política de Plínio
explosões de ódio e violência incontidos, humilhações, provocações sado- Marcos na periferia de São
Paulo. Em outubro de 1981, masoquistas, rastejamento abjeto de humilhados e ofendidos, círculos de
por exemplo, foi apresentada, tensão entre algozes e vítimas que intercambiam seus papéis; relações de
no sindicato de São Bernardo,
poder estabelecidas confusamente num emaranhado de seres ignorados a peça Homens de papel e em
seguida ocorreu uma palestra pelos “cidadãos contribuintes”, uma fauna de alcaguetes, prostitutas,
do autor com os presentes. cf.
homossexuais, cafetões e cafetinas, policiais corruptos, desempregados, PAr ANho S, Kátia r odrigues.
Mentes que brilham: sindica-prisioneiros assassinos, loucos, débeis mentais, meninos abandonados:
lismo e práticas culturais dos imagens jogadas em cena sem nenhuma cortina de fumaça.
metalúrgicos de São Bernardo.
Em seus escritos, ele procura denunciar e contestar o modelo t ese (Doutorado em história)
— ifch/Unicamp, campinas, capitalista de produção e consequentemente o próprio regime militar,
2002, p. 180.
instituído no país em 1964. Por isso, Plínio Marcos foi um dos autores
3 UrBiNA tti, tin apud PArA-
mais perseguidos de sua época, quando a liberdade de expressão e a de- Nho S, Kátia r odrigues, op.
mocracia foram extirpadas para dar lugar a um regime ditatorial opressor. cit., p. 178.
4 A simples menção a seu nome já era sinônimo de problema. A censura Ver Mercedes demite 6.200
funcionários. Movimento, 17 a federal, por exemplo, o via como um maldito, pornográfco e subversivo.
23 ago. 1981 e A terra do medo.
Na sociedade, ele se tornou fgura polêmica porque colocava em discussão Veja, 26. ago. 1981.
o “excluído social” e outros aspectos pouco discutidos durante a ditadura
5 Plínio Marcos (1935–1999)
militar, quando ter liberdade de expressão era muito arriscado, por isso teve várias profssões ao longo
5 da vida, mas graças às peças era um ato de coragem .
teatrais e às crônicas que pu-
Plínio Marcos escrevia conforme o que via na sociedade e o que viven- blicou em jornais como Última
ciava em seu cotidiano, trafegando por “esse Brasil polimorfo, tônico e tei- hora, O Pasquim, Folha de S.
Paulo e na revista Veja, ele fcou moso, subjugado pelas diferenças sociais, pela miséria, pelo abandono, um
conhecido como dramaturgo
6mundo de excluídos, mas que se conta por milhões” . Autodenominava-se e cronista. Ver MAiA, f red,
co Ntr Er AS, Javier Arancibia “repórter de um tempo mau”; por isso é visto como um homem que “pariu
e PiNh Eiro , Vinícius. Plínio
e deu voz a uma formidável galeria de criaturas: ternas, líricas, truculentas, Marcos, a crônica dos que não têm
vadias, esperançosas, vitais em sua sobrevivência, seres mediatizados pelo voz. São Paulo: Boitempo, 2002.
ArtCultura, Uberlândia, v. 13, n. 23, p. 35-48, jul.-dez. 2011 37
H i s t ó r i a , Te a t r o & I m a g e m6 Mo St AÇo , Edelcio apud real e pelo imaginário, lugar onde a fcção nasce, grande parte das vezes,
MAiA, f red, co Ntr Er AS, 7com um grito de denúncia ou desejo de reconhecimento” .Javier Arancibia e PiNhEiro,
Vinícius, op. cit., p. 10. Nas suas peças, avultam como temas a solidão e a decadência huma-
7 na, o círculo vicioso da tortura mútua e a absoluta falta de sentido nas vidas Idem, ibidem, p. 10.
degradadas, o beco sem saída da miséria e a violência, a superexploração 8 Ver PAr ANho S, Kátia r o-
drigues. o grupo de teatro do trabalho humano e a morte prematura como horizonte permanente.
f orja e Plínio Marcos: “Dois Sobressaem, portanto,

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