O Crime do Padre Amaro
274 pages
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O Crime do Padre Amaro , livre ebook

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Description

«O Crime do Padre Amaro» relata a história de Amaro, um jovem padre que entrara para a vida eclesiástica graças à imposição de uma nobre beata que o tinha sob sua guarda. Sem vocação nenhuma, o jovem padre aceita o seu destino passivamente, abraçando a sua profissão sem entusiasmo. Quando é enviado para Leiria conhece Amélia, que lhe desperta a paixão e a luxúria, levando-o a trair os votos de castidade proferidos na sua ordenação.

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Informations

Publié par
Date de parution 11 novembre 2017
Nombre de lectures 0
EAN13 9789897780882
Langue Português

Informations légales : prix de location à la page 0,0007€. Cette information est donnée uniquement à titre indicatif conformément à la législation en vigueur.

Extrait

E ç a de Queir ó s
O CRIME DO PADRE AMARO
 
Í ndice
 
 
 
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
 
 
 
 
Capítulo 1
 
 
 
Foi no domingo de P á scoa que se soube em Leiria que o p á roco da S é , Jos é Migu é is, tinha morrido de madrugada com uma apoplexia. O p á roco era um homem sangu í neo e nutrido, que passava entre o clero diocesano pelo comil ã o dos comil õ es. Contavam-se hist ó rias singulares da sua voracidade. O Carlos da Botica — que o detestava — costumava dizer, sempre que o via sair depois da sesta, com a face afogueada de sangue, muito enfartado:
— L á vai a jiboia esmoer. Um dia estoura!
Com efeito estourou, depois de uma ceia de peixe — à hora em que defronte, na casa do doutor Godinho que fazia anos, se polcava com alarido. Ningu é m o lamentou, e foi pouca gente ao seu enterro. Em geral n ã o era estimado. Era um alde ã o; tinha os modos e os pulsos de um cavador, a voz rouca, cabelos nos ouvidos, palavras muito rudes.
Nunca fora querido das devotas; arrotava no confession á rio, e, tendo vivido sempre em freguesias da aldeia ou da serra, n ã o compreendia certas sensibilidades requintadas da devo çã o: perdera por isso, logo ao princ í pio, quase todas as confessadas, que tinham passado para o polido padre Gusm ã o, t ã o cheio de l á bia !
E quando as beatas, que lhe eram fi é is, lhe iam falar de escr ú pulos de vis õ es, Jos é Migu é is escandalizava-as, rosnando:
— Ora hist ó rias, santinha! Pe ç a ju í zo a Deus! Mais miolo na bola!
As exagera çõ es dos jejuns sobretudo irritavam-no:
— Coma-lhe e beba-lhe — costumava gritar — , coma-lhe e beba-lhe, criatura!
Era miguelista e os partidos liberais, as suas opini õ es, os seus jornais enchiam-no duma c ó lera irracion á vel:
— Cacete! Cacete! — exclamava, meneando o seu enorme guarda-sol vermelho.
Nos ú ltimos anos tomara h á bitos sedent á rios, e vivia isolado — com uma criada velha e um c ã o, o Joli. O seu ú nico amigo era o chantre Valadares, que governava ent ã o o bispado, porque o senhor bispo
D. Joaquim gemia, havia dois anos, o seu reumatismo, numa quinta do Alto Minho. O p á roco tinha um grande respeito pelo chantre, homem seco, de grande nariz, muito curto de vista, admirador de Ov í dio — que falava fazendo sempre boquinhas, e com alus õ es mitol ó gicas.
O chantre estimava-o. Chamava-lhe Frei H é rcules.
— H é rcules pela for ç a — explicava sorrindo — , Frei pela gula.
No seu enterro ele mesmo lhe foi aspergir a cova; e, como costumava oferecer-lhe todos os dias rap é da sua caixa de ouro, disse aos outros c ó negos, baixinho, ao deixar-lhe cair sobre o caix ã o, segundo o ritual, o primeiro torr ã o de terra:
— É a ú ltima pitada que lhe dou!
Todo o cabido riu muito com esta gra ç a do senhor governador do bispado; o c ó nego Campos contou-o à noite ao ch á em casa do deputado Novais; foi celebrada com risos deleitados, todos exaltaram as virtudes do chantre, e afirmou-se com respeito que sua excel ê ncia tinha muita pilh é ria !
Dias depois do enterro apareceu, errando pela Pra ç a, o c ã o do p á roco, o Joli. A criada entrara com sez õ es no hospital; a casa fora fechada; o c ã o, abandonado, gemia a sua fome pelos portais. Era um gozo pequeno, extremamente gordo, que tinha vagas semelhan ç as com o p á roco. Com o h á bito das batinas, á vido dum dono, apenas via um padre punha-se a segui-lo, ganindo baixo. Mas nenhum queria o infeliz Joli ; enxotavam-no com as ponteiras dos guarda-s ó is; o c ã o, repelido como um pretendente, toda a noite uivava pelas ruas. Uma manh ã apareceu morto ao p é da Miseric ó rdia; a carro ç a do estrume levou-o e, como ningu é m tomou a ver o c ã o, na Pra ç a, o p á roco Jos é Migu é is foi definitivamente esquecido.
Dois meses depois soube-se em Leiria que estava nomeado outro p á roco. Dizia-se que era um homem muito novo, sa í do apenas do semin á rio. O seu nome era Amaro Vieira. Atribu í a-se a sua escolha a influ ê ncias pol í ticas, e o jornal de Leiria, A Voz do Distrito, que estava na oposi çã o, falou com amargura, citando o G ó lgota, no favoritismo da corte e na rea çã o   clerical. Alguns padres tinham-se escandalizado com o artigo; conversou-se sobre isso, acremente, diante do senhor chantre.
— N ã o, n ã o, l á que h á favor, h á ; e que o homem tem padrinhos, tem — disse o chantre. — A mim quem me escreveu para a confirma çã o foi o Brito Correia (Brito Correia era ent ã o ministro da Justi ç a). At é me diz na carta que o p á roco é um belo rapag ã o. De sorte que — acrescentou sorrindo com satisfa çã o — depois de Frei H é rcules vamos talvez ter Frei Apolo.
Em Leiria havia s ó uma pessoa que conhecia o p á roco novo: era o c ó nego Dias, que fora nos primeiros anos do semin á rio seu mestre de Moral. No seu tempo, dizia o c ó nego, o p á roco era um rapaz franzino, acanhado, cheio de espinhas carnais...
— Parece que o estou a ver com a batina muito co ç ada e cara de quem tem lombrigas!... De resto bom rapaz! E espertote...
O c ó nego Dias era muito conhecido em Leiria. Ultimamente engordara, o ventre saliente enchia - lhe a batina e a sua cabecinha grisalha, as olheiras papudas, o bei ç o espesso faziam lembrar velhas anedotas de frades lascivos e glut õ es.
O tio Patr í cio, o Antigo , negociante da Pra ç a, muito liberal e que quando passava pelos padres rosnava como um velho c ã o de fila, dizia à s vezes ao v ê -lo atravessar a Pra ç a, pesado, ruminando a digest ã o, encostado ao guarda-chuva:
— Que maroto! Parece mesmo D. Jo ã o VI!
O c ó nego vivia s ó com uma irm ã velha, a Sra. D. Josefa Dias, e uma criada, que todos conheciam tamb é m em Leiria, sempre na rua, entrouxada num xale tingido de negro, e arrastando pesadamente as suas chinelas de ourelo. O c ó nego Dias passava por ser rico; trazia ao p é de Leiria propriedades arrendadas, dava jantares com peru, e tinha reputa çã o o seu vinho duque de 1815. Mas o fato saliente da sua vida — o fato comentado e murmurado — era a sua antiga amizade com a Sra. Augusta Caminha, a quem chamavam a S. Joaneira, por ser natural de S. Jo ã o da Foz. A S. Joaneira morava na Rua da Miseric ó rdia, e recebia h ó spedes. Tinha uma filha, a Ameliazinha, rapariga de vinte e tr ê s anos, bonita, forte, muito desejada.
O c ó nego Dias mostrara um grande contentamento com a nomea çã o de Amaro Vieira. Na botica do Carlos, na Pra ç a, na sacristia da S é , exaltou os seus bons estudos no semin á rio, a sua prud ê ncia de costumes, a sua obedi ê ncia: gabava-lhe mesmo a voz: Um timbre que é um regalo!
— Para um bocado de sentimento nos serm õ es da Semana Santa, est á a calhar!
Predizia-lhe com ê nfase um destino feliz, uma conezia decerto, talvez a gl ó ria de um bispado!
E um dia, enfim, mostrou com satisfa çã o ao coadjutor da S é , criatura servil e calada, uma carta que recebera de Lisboa de Amaro Vieira.
Era uma tarde de agosto e passeavam ambos para os lados da Ponte Nova. Andava ent ã o a construir-se a estrada da Figueira: o velho passadi ç o de pau sobre a ribeira do Lis tinha sido destru í do, j á se passava sobre a Ponte Nova, muito gabada, com os seus dois largos arcos de pedra, fortes e atarracados. Para diante as obras estavam suspendidas por quest õ es de expropria çã o; ainda se via o lodoso caminho da freguesia de Marrazes, que a estrada nova devia desbastar e incorporar; camadas de cascalho cobriam o ch ã o; e os grossos cilindros de pedra, que acalcam e recamam os macadames, enterravam-se na terra negra e h ú mida das chuvas.
Em roda da Ponte a paisagem é larga e tranquila. Para o lado de onde o rio vem s ã o colinas baixas, de formas arredondadas, cobertas da rama verde-negra dos pinheiros novos; em baixo, na espessura dos arvoredos, est ã o os casai s que d ã o à queles lugares melanc ó licos uma fei çã o mais viva e humana — com as suas alegres paredes caiadas que luzem ao sol, com os fumos das lareiras que pela tarde se azulam nos ares sempre claros e lavados. Para o lado do mar, para onde o rio se arrasta nas terras baixas entre dois renques de salgueiros p á lidos, esten

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