Recordações da Casa dos Mortos
179 pages
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Recordações da Casa dos Mortos , livre ebook

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Description

«Recordações da Casa dos Mortos» foi inicialmente publicado entre 1860 e 1862 e reflete uma realidade quase dantesca, onde presos políticos, prisioneiros de guerra e presos de delito comum vivem lado a lado com homens que perpetraram crimes hediondos. É um mundo à parte, uma micro-sociedade com regras próprias onde o dia a dia se reparte entre trabalhos forçados, castigos sádicos, miséria, mercado negro, álcool e pequenos expedientes de que os prisioneiros se servem não só para sobreviverem, mas também para usufruírem de fugazes ilusões de liberdade. Escrito em tom confessional, sóbrio e direto, este relato fica, para quem o lê, como um grandioso hino à vida.

Sujets

Informations

Publié par
Date de parution 11 novembre 2017
Nombre de lectures 2
EAN13 9789897780950
Langue Português

Informations légales : prix de location à la page 0,0007€. Cette information est donnée uniquement à titre indicatif conformément à la législation en vigueur.

Extrait

Fi ó dor Dostoi é vski
RECORDAÇÕES DA CASA DOS MORTOS
Índice
 
 
 
Parte 1
Capítulo 1 — A Casa dos Mortos
Capítulo 2 — Primeiras Impressões
Capítulo 3 — Primeiras Impressões (continuação)
Capítulo 4 — Primeiras Impressões (continuação)
Capítulo 5 — O Primeiro Mês
Capítulo 6 — O Primeiro Mês (continuação)
Capítulo 7 — Novos Conhecimentos: Petrov
Capítulo 8 — Homens Resolutos: Louka
Capítulo 9 — Isaï Fomitch. O Banho. A Narração de Baklouchine
Capítulo 10 — A Festa do Natal
Capítulo 11 — A Representação
Parte 2
Capítulo 1 — O Hospital
Capítulo 2 — O Hospital (continuação)
Capítulo 3 — O Hospital (continuação)
Capítulo 4 — O Marido de Akoulka (narrativa)
Capítulo 5 — A Estação do Verão
Capítulo 6 — Os Animais do Presídio
Capítulo 7 — O «Agravo»
Capítulo 8 — Os Meus Companheiros
Capítulo 9 — A Evasão
Capítulo 10 — A Ordem de Soltura
 
Parte 1
 
 
 
No meio das estepes, das montanhas ou das florestas intransitáveis das distantes regiões da Sibéria encontram-se, de longe em longe, pequenas cidades de mil ou dois mil habitantes, com as casas todas construídas de madeira, muitíssimo feias, tendo duas igrejas — uma ao centro da povoação, outra no cemitério — ou melhor, cidades que mais parecem uma aldeia sossegada dos subúrbios de Moscovo do que uma cidade propriamente dita. Nelas vivem, a maior parte do ano, grande número de agentes da polícia, de adjuntos e outros funcionários subalternos. A compensar o frio intenso da Sibéria, os serviços oficiais são ali muito bem remunerados.
Os habitantes s ã o pessoas simples, sem ideias avan ç adas, de costumes antiquados, tradicionais a consagrados pelo tempo. Os funcion á rios, que s ã o o maior contingente da nobreza siberiana, ou s ã o Indiv í duos da regi ã o, — siberianos dos quatro costados — ou ent ã o vieram da R ú ssia. Estes ú ltimos v ê m diretamente das capitais das prov í ncias, atra í dos pelos bons ordenados, pelas subven çõ es extraordin á rias para as despesas da viagem e por outras n ã o menos tentadoras esperan ç as de futuro. Os que sabem resolver o problema da vida deixam-se ficar na Sib é ria, onde fixam resid ê ncia; os proventos ó timos e rendosos que conseguem obter, indemnizam-nos mais tarde, amplamente, dos sacrif í cios feitos. Quanto aos outros, sempre vol ú veis e incapazes de estabelecerem um programa de vida, cedo se enchem da Sib é ria e a eles pr ó prios perguntam, pesarosos, qual a raz ã o por que cometeram a asneira de virem para ali. É com impaci ê ncia que veem decorrer os tr ê s anos — prazo m í nimo de estada que a lei estabelece; terminado o contrato, requerem o regresso e voltam para as suas casas, amaldi ç oando a Sib é ria e dela s ó contando horrores. N ã o t ê m no entanto raz ã o, pois é uma regi ã o aben ç oada, n ã o apenas no que diz respeito aos servi ç os p ú blicos, mas tamb é m sob outros pontos de vista. O clima é excelente; os negociantes s ã o ricos e muito hospitaleiros, e os europeus s ã o quase todos abastados e em grande n ú mero. Com respeito à s mo ç as, dir-se-iam rosas a desabrochar; s ã o de uma moral irrepreens í vel. Ali a ca ç a corre pelos carreiros, vindo ao encontro do ca ç ador. Bebe-se champanhe em grande quantidade; o caviar é admir á vel e as colheitas d ã o, algumas vezes, na propor çã o de quinze sementes para uma. Resumindo, é uma terra aben ç oada que é apenas preciso saber aproveitar, e aproveit á -la muito bem!
Foi numa dessas pequenas cidades — alegres e sempre satisfeitas de si mesmas, e cuja am á vel popula çã o me deixou uma indel é vel lembran ç a — que travei conhecimento com um exilado, Alexandre Petrovitch Goriantchikov, ex-fidalgo e ex-propriet á rio da R ú ssia. Fora condenado a trabalhos for ç ados de segunda ordem por ter assassinado a esposa. Depois de ter cumprido a pena — dez anos de trabalhos for ç ados — vivia despreocupado e passando despercebido, como colono, na pequena cidade de K... Estava, dizendo melhor, inscrito numa das povoa çõ es circunvizinhas, mas residia em K..., onde angariava a vida lecionando crian ç as. Encontram-se bastantes vezes, nas cidades da Sib é ria, deportados que se dedicam ao ensino. S ã o sempre bem acolhidos, porque ensinam a l í ngua francesa, t ã o necess á ria na vida e da qual, sem eles, n ã o haveria a menor ideia nas regi õ es long í nquas da Sib é ria. Encontrei pela primeira vez Alexandre Petrovitch em casa de um funcion á rio, Ivan Ivanytch Grvosdikov — velho respeit á vel, muito hospitaleiro, pai de cinco filhas que denotavam as mais belas esperan ç as. Alexandre Petrovitch dava-lhes li çõ es quatro vezes por semana, recebendo trinta kopeks por li çã o. Interessou-me o seu aspeto: muit í ssimo p á lido, magro, ainda novo, cerca de trinta e cinco anos, baixo e alentado, mas sempre muito bem vestido à europeia. Se algu é m lhe falava, fitava-o muito atentamente, ouvindo cada uma das suas palavras com uma estrita delicadeza e um ar circunspecto, como se lhe tivessem proposto um problema ou lhe quisessem extorquir algum segredo. Respondia claro e r á pido, mas pesando de tal maneira as palavras que os interpelantes se sentiam deveras constrangidos, sem bem saber porqu ê , pelo que davam gra ç as a Deus ao porem termo à conversa. Interroguei a tal respeito Ivan Ivanytch: disse-me que Alexandre era dotado de um car á ter austero, irrepreens í vel, sem o que n ã o lhe teria confiado a instru çã o das suas filhas; por é m era um terr í vel misantropo, vivendo afastado de todos, muito instru í do, lendo muito, falando pouco e era sempre contrariado que mantinha uma longa conversa.
Algumas pessoas afirmavam que ele era doido, sem que contudo isso lhes parecesse um grave defeito. Outras, as mais consideradas da cidade, tratavam-no com defer ê ncia, pois poder-lhes-ia ser ú til em qualquer coisa ou quando mais n ã o fosse em lhes escrever os requerimentos. Dizia-se que tinha uma honrosa parentela na R ú ssia — talvez tivesse entre ela pessoas bem colocadas — mas tamb é m n ã o ignoravam que desde o ex í lio cortara rela çõ es com todas essas pessoas. Com tal procedimento Alexandre Petrovitch sa í a prejudicado. Todos conheciam a sua hist ó ria, n ã o ignorando que matara por ci ú mes a esposa — ainda n ã o estavam casados h á um ano! — entregando-se depois à pris ã o, o que lhe valeu o minorarem-lhe a pena. Tais crimes s ã o sempre considerados desgra ç as dignas de compaix ã o. Todavia este homem original timbrava, obstinadamente, em se isolar, s ó aparecendo para dar as suas li çõ es.
Alexandre n ã o me despertara, a princ í pio, nenhuma aten çã o; por é m, mais tarde, sem que eu saiba como, come ç ou a interessar-me; a sua vida era um tanto enigm á tica. Conversar muito tempo com ele era imposs í vel. Responderia talvez a todas as minhas perguntas, considerando isso como que o cumprimento de um dever; por outro lado tinha-me respondido tanto que n ã o me atrevia a interrog á -lo por mais tempo; ap ó s essas conversas refletia-se-lhe claramente nos gestos um certo sofrimento e cansa ç o. Lembra-me que, numa bela noite de ver ã o, quando sa í amos os dois da casa de Ivan Ivanytch, tive de repente a ideia de o convidar para fumarmos um cigarro em minha casa. É imposs í vel descrever o horror que se refletiu no semblante; perturbou-se por completo, balbuciou umas palavras incoerentes e, de s ú bito, ap ó s ter-me fitado com um olhar enraivecido, afastou-se de mim em dire çã o oposta. Fiquei admirado. Desde ent ã o, todas as vezes que nos encontr á vamos, o seu olhar revelava uma esp é cie de terror. Eu por é m n ã o desanimei: havia nele qualquer coisa que me atra í a. Um m ê s depois, sem pretexto algum, entrei em casa de Goriantchikov. Concordo que o meu procedimento foi leviano e indelicado. Residia ele num dos extremos da cidade, em casa de uma velha que tinha uma filha tuberculosa, a qual por sua vez tinha tamb é m uma filhinha natural de dez anos muito bonitinha e esperta. Quando entrei, Alexandre estava sentado ao p é da crian ç a e ensinava-a a ler. Ao encarar comigo perturbou-se logo, como se o tivesse surpreendido em flagrante delito. Atrapalhado, levantou-se r á pido e fitou-me admirado. Depois sent á mo-nos. Ele seguia atentamente o meu olhar, coma se visse em mim alguma inten çã o misteriosa. Compreendi que era deveras desconfiado. Olhava-me com m á catadura, parecendo dizer-me: « N ã o te ir á

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