Bebidas, jogatina e cultura popular: os botecos comoespaço masculino de socialização e de conflitos emJuiz de Fora/MG – 1854/1941
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Bebidas, jogatina e cultura popular: os botecos comoespaço masculino de socialização e de conflitos emJuiz de Fora/MG – 1854/1941

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O objetivo deste artigo é analisar um
importante espaço de sociabilidade e
de conflitos na sociedade mineira e
brasileira ao longo das décadas e séculos:
o boteco. Para tal fim, utilizaremos
como documentação 294 processos de
calúnia e injúria abertos em Juiz de
Fora/MG entre os anos de 1854 e 1941.
Analisaremos inicialmente os temas
mais freqüentes nesses processos para
então observarmos de que forma os insultos
trocados nesses espaços de lazer
podem revelar-nos de que maneira o
conflito e a interação se moviam juntos
nos botecos da Zona da Mata mineira.
Por último verificaremos o papel que
os donos desses estabelecimentos
desempenhavam nos momentos de
conflito e de lazer: mediadores e cobradores.

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Publié le 01 janvier 2012
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Langue Português

Extrait

Deivy Ferreira Carneiro
Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor
do Instituto de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU). deivycarneiro@ig.com.br
f
Bebidas, jogatina e cultura popular:
os botecos como espaço masculino de socialização
e de conitos em Juiz de Fora/MG – 1854/1941
Lan. Cena de Bar (1980) Fotografa (detalhe).Bebidas, jogatina e cultura popular: os botecos como
espaço masculino de socialização e de confitos em
Juiz de Fora/MG – 1854/1941*
Deivy Ferreira Carneiro
resumo abstract
o objetivo deste artigo é analisar um The aim of this paper is analyze an im-
importante espaço de sociabilidade e portant area of sociability and conflict
de confitos na sociedade mineira e in Brazilian society over the decades and
brasileira ao longo das décadas e sécu- centuries: the pub. To this end, we will
los: o boteco. Para tal fm, utilizaremos use documentation as 294 cases slander
como documentação 294 processos de opened in Juiz de Fora / MG between the
calúnia e injúria abertos em Juiz de years 1854 and 1941. Initially we analyze
fora/Mg entre os anos de 1854 e 1941. the most common themes in these libels
Analisaremos inicialmente os temas and then observe how the insults exchan-
mais freqüentes nesses processos para ged at these leisure spaces can tell us how
então observarmos de que forma os in- interaction and confict moved together in
sultos trocados nesses espaços de lazer the pubs of Zona da Mata of Minas Gerais.
podem revelar-nos de que maneira o Finally we check the role that the owners of
confito e a interação se moviam juntos these establishments played in times of con-
nos botecos da Zona da Mata mineira. fict and leisure: mediators and collectors.
Por último verifcaremos o papel que
os donos desses estabelecimentos
desempenhavam nos momentos de
confito e de lazer: mediadores e co-
bradores.
palavras-chave: Botecos; insultos; keywords: Pubs; slanders; leisure.
lazer.

o objetivo deste artigo é analisar um importante espaço masculino
de sociabilidade e de confitos: o boteco. Por meio de 294 processos de
calúnia e injúria abertos em Juiz de fora/Mg entre os anos de 1854 e 1941,
analisaremos primeiramente a temática das ofensas verbais desses pro-
cessos para então observarmos de que forma os insultos trocados nesses
espaços de lazer podem revelar-nos de que maneira o confito e a interação
se moviam juntos nos botecos da Zona da Mata mineira.
1De acordo com Peter Burke , os trabalhos de história social da lingua-
* Agradeço a capes e à faperj
pelo financiamento parcial gem podem ser inseridos em quatro linhas que procuram ver as relações
deste trabalho. entre linguagem e sociedade: 1) grupos sociais diferentes usam variedades
1 BUrKE, Peter. A história so- diferentes de língua; 2) os mesmos indivíduos empregam variedades dife-
cial da linguagem. In: A arte da
rentes de língua em situações diferentes; 3) a língua refete a sociedade ou conversação. São Paulo: Unesp,
1995. a cultura na qual é usada; 4) a língua molda a sociedade na qual é usada.
180 ArtCultura, Uberlândia, v. 13, n. 23, p. 179-193, jul.-dez. 2011 t ambém inserido na linha da história Social da linguagem, David
2garrioch vê as ofensas verbais não somente como um produto e indica-
dor do confito humano, mas como um dos possíveis refexos do funcio-
namento da sociedade em que estão inseridos, espelhando seus valores,
suas convenções de comportamento, o caráter e a importância de certos
comportamentos.
inserindo nosso trabalho nestas perspectivas, no intuito de compre-
ender os usos e signifcados dos insultos verbais, baseamos nossa análise
no terceiro e no quarto tópico apontados por Burke. Desta maneira, a tese
contida neste artigo é de que falar é uma forma de fazer; a língua é uma
força ativa na sociedade, um meio pelo qual indivíduos e grupos controlam
outros grupos ou resistem a esse controle, um meio para mudar a sociedade
ou para impedir essa mudança, para afrmar ou suprimir as identidades
3culturais .
o insulto pode ser tomado então como exemplo da força ativa da
língua, uma forma de agressão na qual os adjetivos e substantivos são
utilizados mais para atingir a outra pessoa do que para descrevê-la. Em
vários lugares e épocas, era comum insultar as mulheres de prostitutas e
os homens de ladrões e cornos. É muito pouco provável que tais caracteri-
zações tivessem relação direta com o comportamento social dos insultados.
Era apenas um dos melhores meios de arrasar a reputação das vítimas,
ocasionando-lhes a ostracismo social.
Sendo assim, a maneira mais comum de insultar alguém é xingando-a.
Em Juiz de fora, entre os anos de 1854 a 1941, o mais comum era difamar
os parentes mais próximos do sexo feminino, principalmente a mãe e a
esposa, bem como os homens que descumprissem as regras de negociação.
o insulto “filho da Puta” aparece 67 vezes nos 294 processos analisados.
Desta forma, os epítetos usados variavam em sua riqueza e diversidade,
mas concentravam-se em dois temas principais; aqueles que seguramente
teriam efeito máximo nas condições do contexto em questão: o primeiro
era referente a confitos em negociações, principalmente entre homens,
denotando um total de 72,08% dos casos pesquisados. o segundo tema
era o sexual, referente a 18,7% dos processos analisados, empregando
temas que insinuavam promiscuidade sexual, prostituição e passividade
4masculina com relação às atitudes da mulher . como exemplo podemos
citar um caso em que uma alemã, defendendo sua flha de uma briga con- 2 gArrioch, David. insultos
5 verbais na Paris do século tra uma vizinha brasileira, disse que “a mulher era uma puta” , e logo em
XViii . In: BUr KE, Peter & seguida tentou puxar o cabelo da ofendida. Esses insultos, ao que parece,
Port Er , r oy. História social da
foram utilizados tanto em querelas envolvendo apenas mulheres quanto linguagem. São Paulo: Edunesp,
1997, p. 121-146.em confitos envolvendo mulheres e homens. Através da análise dos pro-
3 Idem.cessos percebe-se também que o tema da promiscuidade sexual variava
4 ligeiramente conforme a mulher fosse casada ou não e presumivelmente Dentre os epítetos encontrados
que fazem referência à promis-foram menos ofensivos no que diz respeito ao uso contra mulheres idosas.
cuidade sexual e a passividade
o tema mais recorrente nos processos se referia aos diversos tipos de masculina temos: puta, safada,
corno, cadela, puta velha, puta desonestidade comerciais e de atividades criminosas, mais comumente o
que o pariu, cabra, vaca, prosti-
furto, usados com maior freqüência contra os homens. Mesmo na passagem
tuta, égua, vadia, flho de uma
para relações sociais do tipo capitalista, tal tipo de ofensa não perdeu sua cadela, puta safada de rua e
meretriz.força de esclarecer e desconstruir formas de pensar os elementos honorífcos
5 Arquivo Histórico da Cidade na sociedade local, nos permitindo revelar um dos sistemas referenciais
de Juiz de Fora. Processos de
pelo qual a sociedade juizforana se balizava, com características próprias calúnia e injúria, cx. 52, Série
de seu contexto. Vejamos alguns exemplos mais comuns. 20, 31/07/1874, p. 2.
ArtCultura, Uberlândia, v. 13, n. 23, p. 179-193, jul.-dez. 2011 181
A r t i g o s6 AHCJF. Processos de c alú- Numa noite de dezembro de 1873, o português c ustódio José de o li-
nia e injúria, c x. 52, Série 20,
veira foi à casa do também português José Joaquim Martins de Araújo lhe 15/12/1873.
cobrar uma dívida de 4:000$000. Não aceitando ser cobrado em sua própria
7 AHCJF. Processos de c alú-
residência, Araújo disse que custódio era “um tratante e não mais mere-nia e injúria, c x. 50, Série 20,
629/04/1863, p. 4. cedor da minha confança”. Acusando um comerciante e mascate francês
8 AHCJF. Processos de calúnia de tentar aliciar alguns colonos germânicos para trabalharem em fazendas
e injúria, c x. 167, Série 29, de café no interior mineiro e fuminense, o administrador prussiano da
30/01/1894, p. 3.
estação Juiz de Fora, Frederico Kufa, “rompeu em alta voz e começou a
9 AHCJF. Processos de c alú-
7injuriar o suplicante chamando-o de tratante, ladrão, canalha” . Entretan-nia e injúria, c x. 52, Série 20,
09/06/1874. to, os insultos contidos nesse tema serviram sobretudo para caracterizar
10 aqueles que não cumpriam sua parte em empréstimos com amigos ou em AHCJF. Processos de c alú-
nia e injúria, c x. 51, Série 20,

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