A fundação da monarchia portugueza - narração anti-iberica
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Publié le 01 décembre 2010
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The Project Gutenberg EBook of A fundação da monarchia portugueza, by A. A. Teixeira de Vasconcellos This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org
Title: A fundação da monarchia portugueza  narração anti-iberica Author: A. A. Teixeira de Vasconcellos Release Date: April 6, 2007 [EBook #20998] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK A FUNDAÇÃO DA MONARCHIA PORTUGUEZA ***  
Produced by Pedro Saborano. Para comentários à transcrição visite http://pt-scriba.blogspot.com/ (This book was produced from scanned images of public domain material from the Google Print project.)
LIVROS PARA O POVO II
A FUNDAÇÃO DA MONARCHIA PORTUGUEZA
NARRAÇÃO ANTI-IBERICA POR A. A. TEIXEIRA DE VASCONCELLOS NATURAL DO PORTO
LISBOA IMPRENSA NACIONAL 1860 INDICE Dedicatoria Palavras necessarias Introducção--I O reino de Leão--II A terra portucalense--III O conde borgonhez--IV Governo de D. Tareja--V D. Affonso Henriques--VI A monarchia--VII
AOS DIGNOS PROPRIETARIOS DO COMMERCIO DO PORTO Meus caros senhores: A bondade com que v. s. as me offereceram no seu periodico uma tarefa effectiva, e bem remunerada, deu-me o descanso necessario para continuar os trabalhos litterarios, que eu começara mais rico de intenções patrioticas que de cabedaes para os levar a cabo. Á imprensa de toda a Europa e de uma parte da America devo as maiores finezas, e quanta protecção e auxilio ella póde dar. Á imprensa portugueza tambem estou em grandes obrigações, mas entre os que militam n'ella são v. s. as dos que mais efficazmente se esmeraram em me ajudar e favorecer. Ao amor de mãe, com que toda a imprensa me tratou, correspondo eu com o affecto filial, que sempre lhe tive; e a v. s. as offereço o primeiro livro que publico n'este anno. Aceitem-o como testemunho da minha estima e agradecimento. É a primeira dedicatoria que faço. Sou com a maior consideração De v. s. as Amigo e venerador obrigado A. A. Teixeira de Vasconcellos.
Lisboa, rua du Santo Antonio, á Estrella, n. o 66, 21 de julho de 1860.
PALAVRAS NECESSARIAS O livrinho que hoje sáe á luz, devia ter sido escripto e publicado ha um anno, e após elle muitos outros do mesmo genero. Não aconteceu porém assim, porque não era negocio dependente só da minha vontade. Desde que o foi, peguei na penna e não a tornei a pôr no tinteiro sem ter acabado o livro. Tenho para mim que as classes populares carecem de uma bibliotheca composta de livros uteis, de doutrina sã, de lição curiosa, e baratos, e ando a ver se cabe nas minhas forças ír-lh'a preparando com estes volumes. A tal empenho, assim como ao de revelar á Europa na lingua franceza o que ainda valemos como nação independente, espero poder consagrar o resto dos meus dias, apesar dos obstaculos que já me têem apparecido, e ás vezes da parte d'aquelles a quem incumbia afasta-los; sem embargo das difficuldades inseparaveis d'estas duas emprezas, e sem me affligir com as miserias--muito miseraveis--que tenho encontrado no meu caminho. Tudo isso vou arredando e vencendo alegremente. Alegremente digo eu, e digo bem. Quem combate pela verdade contra o erro, pela energia contra a preguiça, pelo bom senso contra a toleima, e pela patria contra os que a calumniam, tem occasiões de grande contentamento. Com isso me animo e conforto para continuar. Este é pois o segundo volume dos Livros para o povo . Trata da fundação da monarchia portugueza, como estava indicado no programma d'esta publicação, e é pelo que pertence aos factos um resumo do que a tal respeito escreveu o nosso illustre historiador o sr. Alexandre Herculano no tom. I da sua Historia geral de Portugal. Parece-nos que sáe á luz em occasião opportuna. Agora que nos andam a dizer que a nossa nacionalidade e independencia não podem durar muito, é justo que o povo saiba ou se recorde como ambas principiaram e nasceram de elementos, de certo, bem inferiores aos que temos hoje para as defender e sustentar. Não é uma questão de dynastias. Os portuguezes já eram livres antes de fabricarem a corôa que puzeram na cabeça de D. Affonso Henriques. É uma questão de liberdade e de brio nacional. Para que o povo a resolva com conhecimento de causa, é conveniente que saiba o que faz, e quanto vale o que falsos amigos lhe aconselham que destrua. Se ainda depois tiver em pouco a sua nacionalidade, é que já não merece conserva-la. A minha voz não é suspeita. Acato muito os reis porque são os representantes do principio monarchico o qual me parece garantir a liberdade mais duravelmente do que qualquer outro, mas tratar a questão da independencia nacional em relação a uma familia, diminuiria a grandeza do assumpto, por elevada e nobre que essa familia seja.
Tambem não sou cortezão do povo. É peior que ser cortezão dos reis. É mister disfarçar mais, mentir sempre, e soffrer tudo. A popularidade vem com difficuldade e desvanece-se em um volver de olhos. Não vale o que custa. Nunca a procurei. N'estes livros, que são para o povo, escrevo o que me parece justo e util sem curar de lhe conquistar o affecto. Sei mesmo que terei occasiões de lhe desagradar. As minhas opiniões acerca da questão iberica são conhecidas em Portugal e fóra do reino. Não são de hoje. A occasião de as manifestar mais extensamente é que veiu agora sem que eu a procurasse. Pareceu-me que a podia e devia aproveitar em beneficio publico, e assim o fiz, como qualquer outro portuguez o teria feito, escrevendo ácerca da fundação da monarchia. A idéa da união de Portugal com Hespanha é antiga, mas sempre nasceu de despeito ou de ambição quer dos homens de lá, quer dos de cá. Ora vão fundar o futuro dos povos sobre duas más paixões e verão que resultados alcançam! Os hespanhoes quando estão poderosos, querem arredondar o territorio, e quando andam mal governados, querem quem os governe bem. Em ambos os casos tem sempre olhado para Portugal com cobiça. Triste remedio para elles e para nós! Eu tenho muita affeição aos hespanhoes. É uma grande nação. Quero-os para visinhos, para irmãos, para amigos, para alliados, para confrades no trabalho da civilisação, para tudo emfim, menos para darem cabo do que tanto nos custou a estabelecer e firmar. Eu bem sei que se diz que nós ficaremos sendo os senhores, que a côrte ha de vir para Lisboa, e que até as armas portuguezas terão no escudo iberico o melhor logar antes das de Leão, de Castella e de Granada. Muito obrigado pela honra que nos fazem. Nós somos pequenos para tanto. A respeito da união de Portugal a Hespanha cada um diz o que lhe occorre á idéa; qual nos designa para sermos victimas de uma organisação geral de nacionalidades; qual nos imagina desejosos de pertencer á nação visinha; este pretende preparar-nos para a annexação pelo receio da possibilidade della; aquelle para utilidade propria avisa-nos do perigo que talvez inventou. Tudo isto póde ser verdade e tambem póde ser mentira. Acreditemos que é verdade; sejamos cada vez mais zelosos da nossa nacionalidade; procedamos de modo que a Europa nos julgue dignos de continuar a ser independentes, e não deixemos arreigar a idéa de que a fusão é inevitavel. No fim de tudo, dos portuguezes a quem a idéa da união iberica agradou pela grandeza das consequencias que parecia resultarem d'ella, nenhum ha que na hora extrema seja capaz de renegar a patria. Nem dos hespanhoes sensatos haverá muitos que sonhem com a conquista e annexação do territorio portuguez contra nossa vontade. A questão é pois unicamente theorica. O resto da Europa pouco se importa das nossas cousas. Olha para o mappa, e resolve o negocio geographicamente. Em vez de dividir o territorio em dois estados iguaes, dando-nos a a metade occidental da peninsula, apaga a historia de sete seculos, e annexa-nos á Hespanha, já se sabe, para nosso bem. Contra este modo de sentencear devemos nós todos protestar por palavras e obras--verbo et opere .--Por palavras, indicando os dotes de nação forte e independente, que realmente possuimos; e por obras, dispondo-nos sem precipitação nem negligencia para sustentar o nosso bom direito. Possa este modesto livro contribuir para esse fim e ajudar a conservar vivas na lembrança do povo, as tradições da nossa gloria e das nossas virtudes antigas. Esse é o meu sincero desejo.
A FUNDAÇÃO DA MONARCHIA PORTUGUEZA
..............e venceram: Que pelo rei e patria combatendo Nunca foram vencidos portugueses GARRETT. Romanc .
I INTRODUCÇÃO
A independencia de Portugal dura ha sete seculos. O braço leonez não pôde suffoca-la ao nascer, e os arabes tiveram que ceder os territorios do sul á energia dos cavalleiros e peões do conde D. Henrique, e ao esforço dos primeiros reis da dynastia affonsina. As fraquezas do formoso rei D. Fernando, os planos da rainha D. Leonor Telles, as ambições desleaes de alguns fidalgos e prelados, e as armas de D. João I de Castella não conseguiram sujeitar os portuguezes á dominação estrangeira. O povo não quiz ser castelhano. Bem lhe andaram a dizer que mais valia ser provincia de uma grande monarchia do que reino independente, mas pequeno e fraco. O povo quiz antes ficar pequeno em sua casa, do que ir ser grande na casa alheia. Com um mancebo por chefe combateu contra os castelhanos, conteve os naturaes que propendiam para o dominio estrangeiro, e depois de ter vencido as hostes inimigas, poz a corôa portugueza na cabeça do mestre de Aviz. Este principe era bastardo e clerigo. Que importava isso? A nação adoptou-o por seu filho legitimo; e elle proprio em Aljubarrota, escreveu com a espada nas costas dos castelhanos a sua carta de legitimação. O papa dispensou nos votos ecclesiasticos, e deu-lhe licença para casar. E ficou tão bom rei como se filho legitimo tivera nascido, e tão bem casado como se nunca houvera sido clerigo. Reis, como aquelle, houve poucos. Filhos, como elle teve, raras vezes nascem nos paços dos soberanos. Nobre raça foi aquella dynastia de Aviz! Abençoada posteridade de D. João I e de D. Filippa de Alencastro! Esta familia nasceu na batalha de Aljubarrota, e extinguiu-se na de Alcacerquivir. Começou a 14 de agosto de 1385, e acabou a 4 de agosto de 1578. Fundou-a um mancebo de vinte e sete annos! Sacrificou-a um moço de vinte e quatro! Nunca entrei na admiravel egreja de Santa Maria da Batalha, que me não sentisse melhorado pelo ar patriotico que se respira sob aquellas venerandas abobodas. Qual será o portuguez que passe com indifferença diante do tumulo de D. João I e de sua virtuosa mulher? N'aquella atmosphera de patriotismo, de coragem, e de dedicação pela causa popular, n'aquelle recinto onde a memoria recorda exemplos de todas as virtudes publicas e particulares, os fracos animam-se, confortam-se os tibios, e as almas generosas exaltam-se, extasiam-se e fortalecem-se mais ainda. Junto d'aquelles marmores mudamente eloquentes, vi eu um dos homens de mais nobre e elevado coração entre os que n'esta terra já houve, chorar sobre as nossas calamidades civis, e ouvi-lhe derramar em jorros de inspiração poetica a saudade d'esses tempos gloriosos, e o amor da patria a que foi fiel até á morte! 1 Triste morte por vergonha nossa! Ali na capella chamada do Fundador jazem tambem os illustres filhos do mestre de Aviz. Quem não rogará a Deus pelo descanço eterno de taes principes? Até os estrangeiros curvam a cabeça diante do monumento que encerra os despojos mortaes do infante D. Henrique, porque as descobertas e viagens, que elle dirigiu e favoreceu, aproveitaram á humanidade inteira. E D. Fernando, o santo, o triste principe captivo que Portugal deixou morrer em poder dos mouros para salvar a honra da patria, como se não fôra irmão de El-Rei? E D. Pedro, o malfadado duque de Coimbra, a victima de Alfarrobeira, de cuja regencia abençoada anda a memoria entre nós na tradicção agradecida? Esclarecidos principes! Os portuguezes quizeram sobreviver á familia real. Não poderam. O povo ainda fez muito em favor de D. Antonio, prior do Crato, mas este principe não era para tomar sobre os seus hombros a empreza do mestre de Aviz. Só se parecia com elle em ser bastardo e clerigo. Os tempos eram outros; lamentavel o estado do reino; o povo descorçoado e pobre; a alta nobreza e o clero mais ricos de ambição que de virtudes; o rei de Castella muito poderoso, astuto e munificente; o cardeal rei caduco e tonto. Quem venceu então os portuguezes não foi o duque de Alva. A batalha chamada de Alcantara foi um insignificante feito de armas. Vencidos já elles estavam pelo concurso de mil circumstancias desgraçadas. Até o duque de Bragança D. João, que não quizéra em 1579 ser rei do Brazil, recebeu em 1581 nas cortes de Thomar o tosão de oiro contra o costume dos seus passados que nunca tinham aceitado ordem nacional ou estrangeira. Este era por sua mulher, a infanta D. Catharina, o legitimo herdeiro da corôa. O povo não podia resistir só. Todos julgaram que Portugal acabára. Enganaram-se. A enfermidade de Alcacerquivir teve uma convalescença de sessenta annos, mas o doente recobrou as forças, e quando menos o esperavam, voltou á sua invencivel teima de ser independente e livre. Eu não sei, se os duques, marquezes e condes antes queriam ser grandes da Hespanha do que pertencer á côrte portugueza. Não sei, se os capitães e generaes preferiam commandar em Italia ou em Flandres, se os homens de estado sacrificavam a idéa nacional á grandeza da monarchia, e se o alto clero dava mais valor á mitra de Toledo que á de Braga. Talvez ue assim fosse elo ue mais tarde se viu uando o novo rei teve de mandar cortar a cabe a a um
duque, a um marquez e a um conde, e metter em uma masmorra um grande prelado. O que eu sei é que o povo não queria ser castelhano, e tanto fez que depois de vinte e oito annos de trabalhos conseguiu que o deixassem ser portuguez e livre. Dos fidalgos alguns ficaram em Castella, onde serviam. Padres tambem houve que se fizeram castelhanos. O povo esse, não. Em Braga havia um homem, cujos bens eram todos em Galliza. Pois deixou-os confiscar, mas veiu para Braga, e morreu portuguez. Bom povo! Já as pazes estavam feitas com Castella e ainda os castelhanos nos andavam a mostrar os dentes. E assim fizeram sempre, até que com o exercito francez vieram para repartirem esta terra em 1807, Mas o povo cá estava com os mesmos dotes do tempo passado, e com a mesma mania de independencia e de liberdade. Por mais que lhe fallassem do grande genio e do poder immenso de Napoleão I, por mais que lhe mostrassem os granadeiros de Marengo e de Austrelitz e por mais que lhe dissessem que os vinham proteger, o povo teimava. Bem amigos de Camões são os portuguezes. O general Junot promettia um Camões para a Beira. Pois nem com isso ganhou os animos dos beirões. Contentaram-se com o seu Braz Garcia de Mascarenhas 2 , e não quizeram o Camões francez. Nunca este bom povo portuguez faltou aos seus principes em prol da patria, qualquer que fosse a conjunctura, e por grande que parecesse o poder dos adversarios. Lealdade, perseverança, coragem, dedicação e desinteresse eram qualidades antigas dos portuguezes. Nem virtudes se lhes chamava. O nosso povo era assim. Fazia o seu dever. Do arado á bésta, ao mosquete ou á escopeta havia a distancia do comprimento do braço. Louvado Deus! O braço ainda é o mesmo! E a distancia tambem! No empenho de reconstituir a independencia portugueza, vieram os inglezes ajudar-nos, e aproveitar as nossas boas disposições contra a França. Cá ficaram por fim a governar como se o reino fosse d'elles. O povo não os podia supportar. Em uma linda manhã do mez de agosto de 1820, ergueu-se de mau humor, e mandou os inglezes para Inglaterra. Fez bem. Lá é o logar d'elles. Pois ainda cá voltaram em 1826, mas foram-se embora sem fazerem cousa alguma, porque para vencer o Silveira bastaram as tropas portuguezas. O caso foi que d'ahi ficou sempre aos realistas a idéa de dizerem que as instituições liberaes tinham sido sustentadas pelas bayonetas estrangeiras. Deus perdoe a quem lhes poz nas mãos esta pedra para quebrarem a cabeça aos liberaes. Os inglezes vieram outra vez em 1847 de braço dado com os castelhanos. Ninguem sabe quem os chamou, ou quem o sabe, não o quer dizer. Melhor é que nunca o diga. Bem farto de malquerenças anda o mundo. Não precisa que lhe acrescentem o numero dos odios. E a todos esses attentados directos e indirectos resistiu constantemente o povo portuguez. Vigorosa nacionalidade é aquella que nem o poder de visinhos ambiciosos, nem os erros ou deslealdades dos naturaes poderam ainda destruir. Curiosa historia a da fundação d'este pequeno estado que desde o seculo XII até aos nossos dias tem sabido annullar, mais pela energia do caracter popular do que por outros meios, multiplicados elementos de destruição e de morte. Este estudo é talvez mais proveitoso hoje do que nunca o foi, porque depois de termos circumnavegado o globo, e arvorado a nossa bandeira em tantas partes do mundo, parece que caminhâmos agora para uma situação tão critica e arriscada, como aquella em que inscrevemos o nome portuguez no livro de oiro dos povos livres e independentes. Ao menos assim o dizem os politicos, e póde ser que o perigo venha á força de chamarem por elle. Tem-se visto. O conhecimento do modo pelo qual nos constituimos em nacionalidade distincta e forte, poderá convencer-nos de que só depende de nós mesmos a sustentação d'este heroico feito de nossos maiores. Já não é pouco. As nações que têem perdido a independencia, sofrem na historia a accusação de a não terem sabido defender ou de já não serem dignas de a possuir. Fóra d'esta triste alternativa as nações ou não morrem ou ressurgem. Vamos á narração.
II O REINO DE LEÃO Bermudo III subiu ao throno de Leão depois da morte de seu pae Affonso V, fallecido de molestia quando intentava tomar Vizeu. Bermudo tinha uma irmã chamada D. Sancha, e os fidalgos de Castella desejavam que casasse com ella o conde Garcia, seu joven soberano. O conde já era, pelo casamento de uma de suas irmãs, cunhado do rei de Leão. A outra era mulher de D. Sancho, rei de Navarra. Os ma nates castelhanos, diri iram-se com o oven conde ara Leão, orém Bermudo estava em Oviedo.
Resolveram então ir ter com elle á côrte, mas antes de começarem a jornada, o moço Garcia foi assassinado por uma familia, inimiga declarada da sua. Chamava-se esta familia Vigila . Outros lhe chamam Vela . As consequencias d'este crime foram de grande importancia na peninsula hespanhola, principalmente para o ramo primogenito da dynastia leoneza. Sancho, rei de Navarra, tomou o encargo de vingar a morte de seu cunhado Garcia, e succedeu-lhe na soberania das terras de Castella. Apesar da innocencia de Bermudo no attentado dos Velas, elle foi quem pagou mais caro esse triste acontecimento. É sorte dos principes expiarem os erros de quem os cérca e aconselha ou de quem em nome d'elles preocede mal. Um pretexto de pouca valia fez dentro em breve romper a guerra entre Navarra e Leão, e Bermudo, pouco feliz nos feitos militares contra Sancho, teve de dar a Fernando, filho do rei de Navarra, sua irmã Sancha por mulher. Cedeu tambem então todo o territorio entre os rios Cea e Pizuerga, com o que ficaram mui dilatados os dominios de Sancho já soberano de Navarra e de Aragão, agora senhor de Castella, e de uma boa parte das terras de Leão. Esta cedencia foi feita em 1032. Tão vastos estados não passaram unidos ao primogenito de Sancho. O bravo rei de Navarra deu o Aragão a seu filho Ramiro; a Castella e as terras entre o Cea e o Pizuerga a Fernando. Garcia, tambem filho de Sancho, succedeu na corôa de Navarra. Talvez cuidou o velho rei que o parentesco de cunhados entre Fernando de Castella e Bermudo de Leão os faria amigos, e bons visinhos. Enganou-se. Os reis são mais parentes pelos laços da politica e dos interesses do que pelos do sangue. O desventuroso Bermudo não pôde resignar-se a possuir unicamente uma pequena porção do reino que lhe transmittira Affonso V seu pae. Em breve começou a guerra entre os dois cunhados, e se bastasse a boa vontade dos fidalgos, e a energia do rei para reconquistar as terras cedidas cinco annos antes, de certo que assim teria acontecido. Foi-lhes porém contraria a fortuna das armas. A batalha de Carrion tinha de ser o ultimo feito militar de Bermudo III. Ali perdeu a vida ás mãos de seu proprio cunhado Fernando de Castella, e a varonia da raça real de Leão extinguiu-se inteiramente. Os historiadores dizem que o tragico fim de Bermudo acontecêra no anno de 1037. Fernando I rei de Castella succedeu ao cunhado na corôa de Leão. A morte de Bermudo chamava ao throno a rainha de Castella D. Sancha, sua irmã, e mulher de Fernando; a prole de ambos continuava a successão da familia de que Bermudo fôra o ultimo representante varão. O novo soberano era dotado de grandes qualidades, e sabia temperar a ambição com a prudencia e espirito moderado, que mais seguram e firmam o poder dos reis. A ambição demasiada é quasi sempre funesta aos thronos e ás nações, porém o defeito contrario póde tambem produzir graves inconvenientes. Napoleão I foi victima da sua ambição insensata, e arruinou a França. Victor Manuel, se não fosse ambicioso poria em risco a propria corôa, a sorte do Piemonte, e o destino da Italia. Ha um regulador para a ambição dos reis, é o interesse das nações. Por este cumpre-lhes arriscar-se a tudo. O principe que só vive para si ou para a sua dinastia não é completamente soberano; é meio rei. D. Fernando de Castella soube, apesar dos tempos em que viveu, achar o meio termo entre esses dois extremos. Seu irmão Garcia morreu pouco depois em uma batalha contra o exercito de Fernando. A corôa de Navarra podia então reunir-se com as de Castella e de Leão. Era muito. Fernando soube resistir á tentação, e voltou as suas armas contra os arabes, tomando-lhes largos territorios até ao fim do anno de 1065 em que morreu na cidade de Leão. Deixou tres filhos e duas filhas. O primogenito que se chamava Sancho, subiu ao throno de Castella: Affonso foi proclamado rei de Leão e das Asturias, Garcia poz na cabeça a corôa de Galliza e da terra portucalense até ao rio Mondego. Urraca governou Samora; e Elvira foi soberana de Toro; ambas com o titulo de rainhas, como era de uso então. A paz entre Castella e Leão não foi duradoura. Os dois irmãos Affonso e Sancho tiveram dentro em pouco que pelejar um contra o outro, e o rei de Leão depois de uma victoria ficou prisioneiro de seu irmão por um estratagema d'aquelle grande capitão que a Hespanha ainda hoje celebra com o simples nome de Cid. Foi no anno de 1071. N'aquelles tempos um rei prisioneiro era presa de difficil guarda. Matavam-o as mais das vezes. Outras contentavam-se de o cegar. Rapar-lhe a cabeça e obriga-lo a entrar em uma clausura monastica era um acto de brandura e de moderação. Sancho não quiz abusar da victoria, e mandou seu irmão para o mosteiro de Sahagun; porém este, ou porque se enfastiava da clausura ou porque receiava que alguma circumstancia fortuita lhe viesse aggravar a pena, fugiu da prisão e foi pedir hospitalidade a Al-Mamum, emir de Toledo. Os arabes nem sem re andavam a ele ar com os christãos. Até ás vezes uns e outros eram ami os e
companheiros de armas. Em muitas occasiões as tropas arabes batalharam nos exercitos christãos, e os cavalleiros da cruz combateram nas hostes infieis. Interesses mundanos! Transacções politicas! Era como hoje, como foi hontem, e como amanhã ha de tornar a ser! O chefe musulmano deu ao rei christão desthronado a hospitalidade proverbial dos arabes, de que a historia da peninsula hespanhola offerece repetidos exemplos. Affonso ficou em Toledo até o anno de 1072 em que Sancho rei de Castella foi morto com uma lançada por Bellido Arnulfes diante dos muros de Samora. Altos juizos de Deus! O prisioneiro de Sancho de Castella, o clausurado de Sahagun, o principe desthronado e fugitivo, e o hospede tranquillo dos adversarios mais encarniçados da sua raça, estava destinado para ser um dos mais poderosos soberanos do seu tempo. Tambem na nossa idade o prisioneiro de Strasburgo e de Bolonha, o encarcerado de Ham, o principe desherdado e fugitivo, e o hospede paciente dos inglezes, não parecia fadado para governar uma das maiores nações da terra, e para vencer a aguia russa na Crimêa, e a austriaca em Solferino; Napoleão III e Affonso VI podem comparar-se n'este ponto, apesar dos oito seculos que os separam. Affonso VI saíu de Toledo para voltar ao governo dos seus estados e para reunir sob o seu dominio a Castella, Leão, as Asturias, a Rioja e a Biscaia. A Galliza, descontente de Garcia, contra quem já se tinham revoltado os de Entre Douro e Minho, não se oppoz á prisão do seu soberano, e deixou-se encorporar na grande monarchia de Fernando Magno, reconstituida agora por seu filho Affonso. Garcia morreu na prisão. Dizem de D. Affonso VI que depois de sair de Toledo para tornar a reinar, o obrigára o Cid a jurar que não fôra cumplice de Bellido Arnulfes na morte de D. Sancho. Deus sabe se o bom do Cid teve tal escrupulo. No fim de tudo taes patranhas se contam do Cid que nem a gente sabe o que ha de acreditar! É certo porém que D. Garcia perdeu a corôa da Galliza mas foi bem tratado na prisão onde ficou até morrer apesar de ser irmão do rei. Rasões de estado! D'estas já por cá se viram! Se os principes christãos andavam sempre em guerra, que por muitas rasões se poderia chamar guerra civil, os arabes não viviam entre si em união mais intima. A queda dos Beni-Umeyas foi seguida de graves dissensões ao cabo das quaes a cidade de Toledo veiu em 1085 a caír nas mãos de Affonso VI, cêrca de quatro seculos depois d'aquelle dia em que Rodrigo, o ultimo rei dos wisigodos, saíra dos muros da capital para ir acabar os seus dias na batalha do Chrissus. Affonso VI soube sacrificar os designios ambiciosos de soberano visinho, e de guerreiro christão, aos deveres da amisade agradecida. Nas guerras entre o emir de Toledo e o de Sevilha, Al-Mamum teve sempre por alliado a Affonso VI seu antigo hospede, e só depois da morte do generoso arabe, e da expulsão de seu filho, é que o estandarte christão tremulou na velha capital da monarchia wisigothica. A posse de Toledo, e as victorias successivas de Affonso VI, atemorisaram Ibn-Abed, emir de Sevilha, e inspiraram-lhe a idéa de chamar de Africa os almoravides commandados por Abu-Yacub. Foram elles que no dia 23 de outubro de 1086 destroçaram na batalha de Zalaka junto a Badajoz os esquadrões do rei de Leão e de Castella. Dezesete annos depois, o emir el-moslemym Iussuf era já senhor de todo o territorio desde Saragoça até á margem esquerda do Tejo, e Affonso VI, apesar do titulo pomposo de imperador, que a vasta área dos seus estados lhe grangeára, apenas tinha alcançado algumas victorias na parte occidental da peninsula hespanhola. Santarem, Lisboa e Cintra tinham sido tomadas por elle em 1093, e o governo d'esse novo territorio confiado a Sueiro Mendes irmão do lidador . O imperador era então um dos mais poderosos principes da christandade. Dos outros soberanos da Europa pouco tinha que receiar. Na peninsula porém não podia ter descanso, emquanto os arabes conservassem n'ella um imperio, grande pela extensão de terreno, vigoroso pelo valor dos musulmanos, forte pela facilidade de receber soccorros enviados de Africa, tranquillo pela moderação e brandura do governo, e não menos importante pela cultura das sciencias, das letras e das artes, e pelo desenvolvimento da agricultura, da industria e do commercio. O imperio arabe na peninsula hespanhola era já um estado florescente, quando os christãos saíram das montanhas á voz de Pelagio, e começaram a organisar mesmo nas cidades e na côrte uma existencia mais de acampamento militar que de sociedade constituida. A missão de Affonso VI era pois a guerra incessante contra os arabes. Estas circumstancias attrahiam á côrte castelhana um grande numero de fidalgos estrangeiros. Instigava-os a tendencia militar e aventureira da epocha; impellia-os a idéa religiosa, e o desejo do triumpho completo da cruz contra o crescente; e a estes nobres pensamentos juntava-se a ambição não menos elevada de ganhar pela força do proprio braço terras e dominios conquistados aos infieis. Estes fidalgos eram pela maior parte francezes; não só pela proximidade das duas nações, mas porque de França viera a rainha D. Constança, esposa do imperador Affonso VI, e filha da illustre casa de Borgonha. Dois parentes da rainha avultavam na côrte mais do que os outros cavalleiros. Eram Raymundo, filho do conde Guilherme de Borgonha, e Henrique, filho de Henrique de Borgonha e de sua mulher Sybilla, prima co-irmã de Ra mundo. Henri ue or seu avô Roberto, o velho, du ue de Bor onha, era descendente de
Roberto, o pio, rei de França, e de Hugo Capeto, e por consequencia sobrinho de Henrique I, rei de França. Estes dois fidalgos borgonheses deviam privar com a rainha com quem tinham parentesco proximo, e com o soberano a cujo serviço andavam. Com effeito Affonso VI deu a Raymundo sua filha Urraca, com o governo de Galliza e da terra portucalense, e Henrique casou com D. Tareja, filha natural do rei e de Ximena Nunes ou Muniones, obtendo com esta alliança o governo do districto de Braga sob o commando de Raymundo. O casamento foi celebrado antes do anno de 1095. Não chegaram ao nosso tempo documentos ácerca das condições com que se concluiu o casamento de Henrique de Borgonha com D. Tareja, porém sabe-se que em 1097 já o territorio que se estende desde o rio Minho até ao Tejo era governado por D. Henrique, sem opposição alguma do conde Raymundo de Galliza. O marido de D. Tareja possuia tambem todos os bens pertencentes á corôa de Leão, que estavam situados dentro dos limites designados. Devia ser concessão de Affonso VI. O territorio portucalense coube a Henrique de Borgonha como dote de sua mulher? Foi-lhe dado como governo ou como estado expressamente separado da corôa de Leão em favor dos noivos? Houve desde logo conloio entre Henrique e Raymundo para assegurar a plena soberania de ambos, sob a apparencia de sujeição ao sogro commum? A extensão das terras conquistadas aos arabes contribuiu para firmar mais a separação, e para augmentar a importancia do conde D. Henrique? Estas questões pedem larga escriptura, e fazem pouco ao assumpto d'este livro. O facto é que no fim do XI seculo a terra portucalense obedecia a D. Henrique, sem que todavia este principe deixasse de reconhecer a supremacia do rei de Leão. O conde borgonhez oriundo de uma das mais poderosas casas da Europa, sobrinho do rei de França, genro do imperador, e primo do conde de Galliza, com quem o ligavam tambem os laços da affinidade, reunia em si todos os requisitos necessarios para obter, dentro em breve, preponderancia consideravel em todos os negocios da peninsula hespanhola. Conservar e desenvolver essa influencia, dependia só dos dotes pessoaes do principe. A auctoridade moral do conde D. Henrique na côrte de D. Affonso VI de certo se baseava principalmente n'estas circumstancias, pois que a qualidade illegitima de D. Tareja não impoz ao principe borgonhez nenhuma inferioridade que lhe diminuisse o poder ou que restringisse as suas pertenções ambiciosas.
III A TERRA PORTUCALENSE A terra chamada portucalense era conhecida com este nome desde o meado do seculo XI. Tinha por limites ao norte o rio Minho, e ao sul o Mondego, comquanto as armas christãs já tivessem por mais do que uma vez chegado ao Tejo, e mesmo tomado Lisboa, como fica dito. Lamego, Vizeu e Ceia eram as terras mais consideraveis da fronteira oriental. Ao sueste acabava o territorio na serra da Estrella, e ao oeste no oceano. O districto de Coimbra ou condado colimbriense, começava no Douro, e acabava no Mondego. Um mosarabe da Beira, chamado Sesnando, deixára o serviço do emir de Sevilha Ibn-Abed, e fôra propôr ao rei Fernando Magno a conquista d'este territorio. A tentativa foi coroada de exito feliz, e Sesnando recebeu do soberano leonez o governo d'esta nova provincia, acrescentada com a terra portucalense ao sul do Douro. Esta região desde o Douro até ao Mondego, não era a Lusitania de Strabão, a qual chegava até ao mar no norte e no occidente, e ao Tejo pelo lado do sul; nem tão pouco se póde confundir com a Lusitania do imperador Augusto, divisão geographica limitada ao norte pelo Douro, e ao sul pelo Guadiana. Era uma região conquistada, reunida e disposta pelos incansaveis pelejadores christãos. Estavamos tão acostumados a dar a Portugal o nome de Lusitania, e a tomarmos a denominação latina de lusitanos, que chegamos a julgar-nos decaídos do esplendor genealogico da nossa raça, quando o sr. Alexandre Herculano escreveu que só no seculo XV tinhamos começado a usurpar essas qualificações. Parece que foi em 1481, diante da santidade de Sixto IV, que o bispo de Evora D. Garcia de Menezes deu pela primeira vez o nome de lusitanos aos habitantes de Portugal. Até então foramos sempre portucalenses desde tempos remotissimos. A origem d'este nome está hoje bem averiguada. Na margem esquerda do Douro, onde hoje se chama Gaia, havia uma povoação com o nome de Cale . Pequena ou grande, era a unica povoação da entrada do rio, e por isso o porto se chamou Portus Cale , porto de Cale. Querem alguns que a terra tivesse sido povoada por gaulezes que deram ao porto o nome de Portus Gallorum , ou Portus Galliæ . Eu não creio que esse intrincado ponto mereça a pena de ser resolvido. A verdade é que o nome de Cale figura no itinerario de Antonino, que a designação Portucale data do seculo V, e que a aldeia de Gaia ainda em 912 se chamava assim. O territorio visinho e dependente de Portucale foi-lhe a pouco e pouco tomando o nome, deixando ao burgo primitivo a denominação de Cale,
que tambem insensivelmente se converteu na de Gaia. Os christãos aproveitaram a inexpugnavel posição fronteira, e fortificaram-a. Desde então houve na margem direita o Portucale Castrum novum , e na outra o Portucale Castrum antiquum , ou por outra fortaleza velha, e fortaleza nova, ambas com o nome de Portucale . De nome de cidadella passou a designação de districto, d'ahi a condado, e mais tarde a reino, segundo a conquista christã se alargou mais, e á medida que a administração e governo deram a esse tracto de territorio alguma homogeneidade. Deixemos pois o nome latino de lusitanos, mesmo com o risco de desagradarmos a tres ou quatro idolatras das tradicções romanas, e fiquemos portucalenses, já que d'ahi nos transformámos em portuguezes. É melhor guardar o nome que é feitura nossa, do que andarmos a torcer a geographia e a historia para amontoar fabula sobre fabula.
IV O CONDE BORGONHEZ O conde D. Henrique não se entreteve por muito tempo nos cuidados do governo. Em 1103 estava na Palestina, d'onde o encontrâmos de volta dois annos depois, e na côrte do sogro em 1106. Não se sabe quaes foram os motivos que resolveram D. Henrique a deixar o seu governo, e a separar-se da esposa com quem havia pouco se casára, para se associar ao empenho dos cruzados, em resgatar o tumulo do Redemptor. As causas d'esta determinação deviam ser poderosas: nós não as conhecemos. Dos hespanhoes só alguns cavalleiros isolados foram ás primeiras cruzadas. Que melhor e mais santa guerra podia achar na Palestina, quem tinha á porta de casa os inimigos da cruz? O proprio pontifice Paschoal II veiu a prohibir aos cavalleiros hespanhoes, que se alistassem entre os cruzados, e em Italia obrigavam-os a embarcar de novo para Hespanha. O conde D. Henrique obedeceu talvez á idéa geral de sacrificar todos os interesses ás crenças e deveres religiosos, e porventura a instigações e convite dos seus parentes de França, de cujo auxilio elle porventura contava tirar proveito mais tarde. Suppõem-se que o conde partira na armada genoveza que em 1104 prestou auxilio ao conde de Flandres Balduino na conquista de Ptolemaida. De volta do oriente o conde borgonhez entregou-se inteiramente á governação dos seus estados, empenhando-se devéras em fortalecer o proprio poder, acrescentando o territorio nas guerras contra os arabes, a preparando-se para acabar com qualquer especie de supremacia estrangeira. Estes intuitos deviam mais do que uma vez occasionar guerra no norte com os leoneses, e no sul com os musulmanos. Para aquella a base de operações era Guimarães, côrte e residencia do D. Henrique e de D. Tareja. Para a guerra do sul a base de operações era Coimbra. De Coimbra deviam partir as expedições destinadas a libertar de novo os territorios do sul, e ali sabia-se, melhor do que em qualquer outra parte, a occasião em que mais desprevenidos andavam os infieis, e em que se podia contar com um triumpho menos disputado. Em Guimarães agitavam-se questões de natureza mais complicada; questões diplomaticas de successão ao throno de Affonso VI, de allianças estrangeiras, de independencia do territorio separado da monarchia de Leão, e de tudo quanto podia favorecer os planos ambiciosos de Henrique de Borgonha. Os dois primos Raymundo e Henrique fizeram entre si, em 1106 ou no começo de 1107, um tratado secreto ácerca da repartição dos estados do sogro, então ainda vivo; porém, Deus que muitas vezes zomba dos melhores calculos dos homens, permittiu que Raymundo morresse em 1107, sem herdar de Affonso VI, que todavia lhe não sobreviveu muito tempo. O convenio entre os dois condes tinha por fim evitar que a coroa de Affonso VI passasse para o infante D. Sancho filho de Zaida Ibn-Abed, que alguns tratavam como esposa do imperador. A filha do emir de Sevilha não podia ser mulher de Affonso VI, então casado com a rainha D. Constança, mas o amor de pae para com o infante, seu unico filho varão, inspirava receios aos maridos das duas princezas Urraca e Tareja. Este temor não agitava sómente os animos de Raymundo e de Henrique: tambem lá de longe o celebre Hugo, abbade de Cluni, e parente dos condes, meditava n'este caso, e entrava no trama, se o não promovera elle proprio. É certo que o tratado foi jurado pelos dois primos e concunhados nas mãos de Dalmacio Veget, agente de Hugo. O imperador morreu em Toledo no mez de junho de 1109, pouco depois de ter perdido seu filho e herdeiro D. Sancho, que elle mandára com o conde Gomes de Cabra a soccorrer o castello de Uclés. O tratado entre os dois primos não teve execução. Urraca, viuva de Raymundo, succedeu, segundo o testamento de Affonso VI, na corôa de Leão e de Castella, e deixando em Galliza seu filho D. Affonso entregue á tutela dos condes de Trava, casou em segundas nupcias com Affonso I rei de Aragão.
Este segundo casamento foi celebrado mais a exigencias dos barões castelhanos e leonezes, do que por vontade de D. Urraca. Queriam um homem para commanda-los, e que fosse pelo seu esforço e valentia digno de tal encargo. Affonso de Aragão era já então nomeado como batalhador. Por essa qualidade o escolheram. Mas a pobre rainha não pôde accommodar-se ao caracter aspero e violento do aragonez, D'ahi provieram muitas occasiões de guerra e de desordem e d'ahi tambem começou a surgir a possibilidade de Portugal vir a ser um estado independente, e separado para sempre da corôa leoneza. Entretanto o conde Henrique não estava ocioso. Apenas soube da morte do sogro com quem já andava mal avindo, partiu para França a reunir ali os meios necessarios para se apoderar dos estados de Affonso VI, ou para colher o maior proveito possivel das alterações e dificuldades, que necessariamente deviam seguir a morte do imperador. Esta viagem não teve bom exito. D. Henrique foi preso em França por motivos que a historia se esqueceu de registrar, fugiu da prisão, e recolheu a Portugal pelo Aragão cujo rei já separado de D. Urraca se alliou facilmente com elle. Desde o seu regresso de França, que foi em 1111, o conde Henrique mudou de politica, provavelmente porque a falta do auxilio esperado lhe impunha a obrigação de ser mais circumspecto, e de certo tambem porque a morte de Raymundo, e o casamento de D. Urraca tinham dado aos negocios da peninsula uma direcção muito differente. A rainha D. Urraca pouco depois de casada, separou-se do segundo marido Affonso NT rei de Aragão, e passou o resto de seus dias em reconciliações e separações successivas, sempre precedidas, acompanhadas e seguidas dos disturbios e agitações que resultam das discordias internas das familias soberanas, a cujo exemplo se compõem os costumes dos povos. Esta situação das monarchias leoneza, castelhana e aragoneza, que o casamento de D. Urraca e de D. Affonso tinha unido, e que o caracter dos dois conjuges separava a cada instante, aggravava-se com desintelligencias repetidas entre Castella e Galliza. Os fidalgos gallegos, sob a direcção do conde de Trava, tutor do joven filho de Raymundo, complicaram frequentes vezes as difficuldades da corôa de Leão e Castella, querendo realisar a separação decretada no testamento do imperador em proveito do principe Affonso Raymundes. D. Henrique soube valer-se habilmente das desavenças alheias, alliando-se ora com D. Urraca, ora com D. Affonso de Aragão, e mesmo com os magnates de Galliza. Desinteressado dessas questões, o seu principal fim era prolonga-las, collocando-se do lado de quem menos probabilidades tinha de resistir ao poder do outro. Assim, o vencedor de hoje podia facilmente ser o vencido de ámanhã, e nenhum dos belligerantes ficaria nunca tão poderoso, que se lembrasse de attentar contra a soberania de Henrique. Entretanto brotavam e florescíam na terra portucalense os elementos de independencia, que mais tarde deviam produzir a formação da nacionalidade portugueza. A cada guerra civil a alliança de Henrique era solicitada com empenho e ninguem ousava regatear-lhe as concessões, ou pôr cobro ás demasias do seu poder. A sua supremacia era incontestavel, reconheciam agora uns, logo outros, e a final todos. N'aquellas epochas de preponderancia feudal e militar, a politica sagaz de D. Henrique não dependia só da sua ambição e do seu espirito elevado. Era indispensavel que os cavalleiros portuguezes seguissem de boa vontade as modificações da politica do conde borgonhez e de D. Tareja, e que sacrificassem a um principio geral as affeições e os interesses que podessem liga-los a D. Urraca, a D. Affonso, ou aos fidalgos gallegos. Essa necessidade reconhecida por todos dominava o animo dos portuguezes. Unia-os o desejo da propria independencia, sentimento especial da nossa raça, que o decurso de tantos seculos ainda não pôde destruir, nem a unidade da civilisação moderna conseguiu modificar. Os portuguezes do começo do seculo XII seguiram o conde Henrique em todas as suas mudanças politicas e diplomaticas com tal confiança e tenacidade, que ambas se podem enumerar entre as causas mais energicas da independencia de Portugal. Sem esta união intima entre o chefe do estado e os seus magnates, a gente portugueza ter-se-ía dividido nos differentes bandos em que frequentemente se separava a familia hespanhola, e d'essa divisão resultaria o enfraquecimento do poder material e da força moral de D. Henrique, bem como a impossibilidade de resistir aos esforços do monarcha de Leão, quando este principe tentasse encorporar de novo nos seus dominios a terra portugueza. O desejo de possuir a maior porção possivel dos estados de Affonso VI prevalecia sobre qualquer outro pensamento no animo do conde de Portugal. Por isso talvez não acudiu a Santarem e ás outras terras do sul, que os arabes tomaram de novo, e apenas pôde empregar-se em socegar os habitantes de Coimbra, que irritados pelo procedimento de Munio Barroso e de Ebraldo chegaram a recusar a D. Henrique a entrada na cidade. O conde andava então inteiramente entre ue á idéa de se a roveitar das dissensões entre sua cunhada D.
Urraca e Affonso NT I de Aragão, servindo-se para esse fim de allianças contraídas e desfeitas segundo a malicia dos seus intuitos lhe aconselhava. O conde D. Henrique morreu em Astorga no 1. o de maio de 1114, transformado já de simples governador do districto de Braga em soberano quasi independente. Não era rei, posto que D. Tareja usasse ás vezes o titulo de rainha, não era principe, nem infante, mas desde a morte do sogro, era senhor na rigorosa accepção da palavra quanto ao facto, embora o direito publico da epocha o sujeitasse ao rei de Leão. Os portuguezes devem venerar a memoria do principe borgonhez, porque desde a sua volta do Oriente não teve em vista senão a independencia d'esta terra e soube empregar em tão nobre empenho grande sagacidade, invencivel firmeza, e consummada prudencia. Quando os restos mortaes do conde D. Henrique entraram na sé de Braga a repousar no tumulo onde inda jazem, as bases da independencia portugueza estavam lançadas, e por mão de mestre. Este foi o verdadeiro fundador da nossa nacionalidade. Os portuguezes chamados a intervir nas guerras civis de Hespanha ora a favor de D. Affonso, ora a favor de D. Urraca, ora a favor do principe de Galliza foram-se separando insensivelmente de cada uma d'essas parcialidades, e adquirindo as qualidades de povo independente. A monarchia appareceu mais tarde. Era a consequencia necessaria da existencia da nação, e dos costumes e tradições d'aquelle tempo.
V GOVERNO DE D. TAREJA D. Affonso Henriques, filho primogenito do conde, era de menor idade á morte do pae. D. Tareja teve pois de tomar o governo, e com elle o difficil encargo de continuar a obra politica do marido, de quem ella fôra talvez o conselheiro mais intimo. A nobre viuva de D. Henrique mostrou no cumprimento de tão delicada missão muita habilidade, e grande pertinacia, qualidades contra as quaes não prevaleceram nem o poder da monarchia de Leão, nem as correrias incessantes dos arabes do sul de Portugal. Ella soube dirigir astutamente as dissenções dos sempre mal avindos soberanos de Leão, de Castella e de Aragão, para acrescentar o territorio portuguez por meio de cessões effectivas ou de promessas solemnemente estipuladas, bem que ás vezes inuteis pelas reconciliações amiudadas e repentinas de D. Urraca com D. Affonso de Aragão. A auctoridade moral do governo não diminuiu nas mãos delicadas de D. Tareja. Cercada dos barões portuguezes, identificada com o espirito que os animava, e decidida a seguir o systema do conde Henrique, a mãe de D. Affonso mostrou rara firmeza de caracter, e astuciosa prudencia. No intento de desenvolver as forças do seu pequeno estado, e de o separar inteiramente da monarchia leoneza, foi invariavel; porém nas manifestações exteriores d'este nobre pensamento, regulou-se cautelosamente pelas circumstancias accidentaes da peninsula. D. Urrava rainha de Leão, irmã legitima de D. Tareja, vendo esta princeza viuva e com um filho de menor idade, devia frequentes vezes lembrar-se de reunir á sua corôa o territorio portuguez, melhorado pelas conquistas e esforços do conde D. Henrique. Esta era pois a mais forte inimiga dos portuguezes, e contra ella se voltaram quasi incessantemente as armas de D. Tareja, sob pretextos differentes. A viuva de D. Henrique teria talvez em vista crear, por meio de multiplicados combates, sentimentos de invencivel hostilidade contra os leonezes no animo dos seus vassallos. Preparava-os assim para a grande luta da completa independencia de Portugal. E com tal habilidade se soube D. Tareja dirigir nas relações politicas com os seus adversarios externos, que obteve a confirmação do tratado antigo ácerca de Samora, que uma das reconciliações conjugaes de D. Urraca invalidára. O districto d'esta cidade passou a ser portuguez. O negocio mais difficultoso nos conselhos politicos de D. Tareja foi sempre, por certo a escolha do melhor arbitrio para sustentar a posse dos dominios do conde D. Henrique, sem ficar inteiramente na sujeição da corôa leoneza, e sem se revoltar abertamente contra ella. Este parece ter sido o alvo constante da politica da mãe de Affonso Henriques. Á morte do conde D. Henrique, D. Tareja partiu para Astorga, onde estava a côrte, e crê-se que fôra por suggestão sua que Affonso I de Aragão repellíra de si, e expulsára da cidade D. Urraca, sua mulher, por suspeitas de envenenamento, negando-lhe até a prova do combate ou juizo de Deus com que ella queria para logo justificar-se. A opinião dos barões de Leão e Castella foi favoravel á esposa ultrajada, a quem se tolhêra a defeza.
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