A Senhora Viscondessa
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Publié le 08 décembre 2010
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Project Gutenberg's A Senhora Viscondessa, by Sebastião de Magalhães Lima
This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org
Title: A Senhora Viscondessa
Author: Sebastião de Magalhães Lima
Release Date: February 27, 2008 [EBook #24710]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK A SENHORA VISCONDESSA ***
Produced by Pedro Saborano
A SENHORA VISCONDESSA
A SENHORA VISCONDESSA
ROMANCE ORIGINAL
POR
S. DE MAGALHÃES LIMA
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[2] [3]
COIMBRA Imprensa Commercial e Industrial 1875
A TI
A ti, que hoje és ideal, e que um dia serás mãe; a ti, que foste filha e que has de ser esposa; a ti, mulher, a ti,
I
Consagro este livro.
Um baile
Magalhães Lima
Temos baile em casa da sr.aviscondessa de B*** .
Á porta do palacete param trens sem conta. Descem os convivas, profusamente almiscarados.
No salão crusam-se os pares:elles, fragrantes, como uma rosa de Bengalla;ellas, voluptuosas e tépidas, como uma brisa do Oriente.
A sala é vasta, enorme, quadrangular. A cada canto uma mesa de marmore oleosa e de difficil lavôr. Do tecto dourado e semicircular pende um lustre de sessenta lumes, adornado de flores artificiaes e de vidrilhos verdes. A mobilia, de um estofo azul e assetinado, rivalisa em symetria com os mais encantados jardins de Granada.
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As janellas abertas atraiçoam os segredos dos namorados. Como relampagos, reflectem-se na praça as vertigens da walsa.
Por sobre a sombra do arvoredo ondeia a luz phantasticamente. A cada um d'estes banhos despertam as aves nos seus ninhos. E a lua, a doce companheira da tristeza, vae illuminando o espaço, o mar e as solidões.
As flores derramam uns aromas acres e inebriantes. N'um esplendido vaso de porcellana deSévresuma mimosa camelia as suas longas, abre e avelludadas petalas.
Umas plantas exoticas, orientaes, adornam o espaço ladrilhado das janellas de sacada.
Entra a viscondessa na sala. Os grupos cessam de falar. Em redor d'ella tudo se apinha, tudo se confunde, tudo se baralha.
A valsa recomeça. Nos espelhos de crystal reflectem-se as estranhas imagens, que, n'esta noite, povoam o salão. Sobre as piscinas de marmore debruçam-se as avesinhas artificiaes--pobres avesinhas implumes feitas de pedra e de calcareo.
Estremecem docemente os cortinados da janella. Os peitos arfam de cançados; e na parede o papel, como que exhala uns mysteriosos e prolongados calores.
--Quer v. ex.aconceder-me esta valsa?--diz um cavalheiro, offerecendo o braço a uma gentil dama de vinte annos.
E entrou no turbilhão.
--Mas perdão, senhora viscondessa... bem vê que na minha posição...
--Acompanhe-me, Alfredo.
E os dois seguiram para uma saleta proxima, situada á direita do salão.
Os creados serviram o chá. Na varanda fumavam e conversavam os cavalheiros. Algumas senhoras refaziam a suatoilette, em parte desfeita pelos ardores da dança.
--E acredita a senhora viscondessa, que eu realmente lhe podesse ser affeiçoado nas condições em que me acho?
--E por que não, Alfredo, se eu o amo loucamente.
Um leve ruido interrompeu o dialogo.
A saleta era assaz confortavel. Uns moveis escuros a guarneciam tristemente. Ao longo da parede destacavam uns quadros sombrios, meigos, phantasticos. Em cima do fogão agitava-se o pendulo do relogio, como se effectivamente nos quizesse recordar uma pulsação dolorosa.
A viscondessa, airosamente sentada n'um fofo sophá, volvia os olhos
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nervosos na direcção da porta do baile.
--Ninguem nos ouvirá--exclamava ella de si para si.
E continuou a fallar para Alfredo, que, a longos passos, percorria a sala de um a outro extremo.
Entretanto a orchestra convidava a uma quadrilha.
Um elegante moço entrou na saleta.
--Venho lembrar a v. ex.a, minha senhora, que esta quadrilha me pertence.
A viscondessa acompanhou o. -
Alfredo só, roia um charuto furiosamente, quando novo ruido o despertou.
Defronte d'elle, e ameaçando-o com um punhal, estava um rapaz, cheio de febre, de odio e de vingança.
--Ouvi tudo--exclamou o intruso. Ou tu me promettes nunca amar a viscondessa, ou eu te assassino aqui, como um miseravel que és.
--Nunca!...--vociferou Alfredo, arrancando-lhe o punhal da mão. Primeiro cahirás tu, desgraçado. Já, já fora d'esta casa.......................
Este incidente, como é natural, perturbou a quadrilha, que então se dançava. Acorreram todos. Os dois contendores haviam desapparecido da saleta.
O baile continuou.
II
A Senhora Viscondessa
É uma mulher da moda--chlorotica, anemica, febril.
Olhar vivo, e transparente, como um chrystal. Na sua doce pallidez o que quer que seja das visões de Schiller. No andar, porte altivo, donairoso, esbelto. As longas insomnias, apaixonadas, tornaram-n'a triste e contemplativa, como uma virgem de Murillo.
É viscondessa; faz muitas esmolas e possue trens faustuosos.
Acabam de soar duas horas nos relogios da cidade. Um calor intenso
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abrasa as calçadas. Corria o mez de Maio de 1859. No Largo de Camões, o sol, batendo de chapa, sobre um telhado visinho, reflectira-se estranhamente nos aposentos da viscondessa.
No corredor presentira-se o ranger de um leito. O cortinado de cambraia foi delicadamente afastado por uma mão de marfim, pequena e esculptural.
--Virginia, Virginia--gritou uma voz sonora, de timbre metalico e adocicado.
A porta do quarto, abrindo-se, deixou entre vêr o rosto de uma formosa creança, loura como um cherubim e tentadora como Eva.
--V. ex.achamou, minha senhora?
--Sim, chamei.--Traze-me o meu roupão branco e vem ajudar-me a vestir.
E a viscondessa, bocejando infantilmente tornou a cahir no travesseiro, doida de somno e ébria de amor.
Adormeceu de novo.
Uma hora volvida veio Virginia encontral-a sentada n'uma poltrona, defronte do espelho.
Fingia que lia. Do regaço pendia-lhe um romance francez. Com a mão direita desviava as tranças fartas, que, por vezes caprichavam em cahir-lhe sobre o peito. O braço esquerdo, abraçando o espaldar da cadeira, servia-lhe de encosto.
De subito ergueu-se como uma estatua. Procurou um pente e largou-o com desfastio. Olhou para o relogio, tocou a campainha, e tornou a sentar-se.
--Estou aqui, minha senhora. Deseja alguma cousa?
--Ah! Estavas aqui. Ora vejam que cabeça a minha que nem sequer havia dado por tal.--Manda-me arranjar o almoço, anda.
--Por mais que me digam a senhora não anda bôa--murmurava a ladina da creada, correndo espevitadamente.
A viscondessa, sempre inquieta, ergueu-se novamente. Percorreu o corredor e entrou na sala de jantar. Dirigiu se a um periquito, que ali tinha, tirou-o da gaiola e começou de afagal-o meigamente.
--Coitadinho do meubijou--exclamava ella com doçura.
Foi-se depois ao canario, trouxe-o para a mesa, e destribuindo com elle a comida, que mal provava, introduziu-o no seio.
Um cão pequeno, felpudo, ensaboado e luzente, como verniz, fazia pendantcom os dois personagens, acima descriptos.Jolilhe chamava a
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viscondessa. Nunca sahia da sala de jantar. Era o seu theatro d'elle. Ali aprendêra a ser guloso e concupiscente. Quando a senhora chegava, elle, de um pulo, saltando lhe ao regaço, para logo principiava de lamber-lhe as faces e os cabellos. A dona da casa aceitára, sem repugnancia, este tributo quotidiano.
Alêm do cão havia um gato maltez, elastico, como uma serpente e indolente como um chin.
Entre o cão e o gato existia uma mediadora: era a viscondessa. Por fim os dois rivaes fizeram tréguas. Chegaram até a comer no mesmo prato, brincando como dois amigos.
Nos seus dias de melancholia, a viscondessa, orphã de pae e mãe, sem parentes, só no mundo e senhora de ricos haveres, reunindo em redor de si tão variada e interessante familia, sentia-se mais feliz, e porventura mais esquecida do que nunca.
O gato aquecia, o cão lambia, e as aves entretinham, cantando.
Emfim bateram quatro horas. A Viscondessa bocejou mais uma vez.
--Se elle, ao menos, me amasse...--dizia ella, erguendo-se.
E, continuando pelo corredor, entrou noboudoir, onde a esperava a cabelleireira.
Vestiu um chambrão de cachemira azul; e, sentando-se na cadeira que lhe offereceram divagou, ao acaso, durante uma hora.
Quando acordou estava realmente encantadora.
O cabello, frisado a capricho, imprimia-lhe um aspecto senhoril e grave. O rosto desanuviara-se-lhe. Foi ao espelho, e, como flôr que ao sol desabrocha, sorriu-se maliciosamente.
--Achas-me bonita, assim?--perguntou ella a Virginia.
--Deslumbrante--minha rica senhora.
E a viscondessa, toda vaidade e tentação, foi-se até á cosinha, pretextando umas ordens para o jantar.
Voltou depois ao quarto. A um ligeiro impulso cahira-lhe o roupão. Sorrindo-se, envergou umas saias pesadas e cheias de gomma. Remirou-se novamente ao espelho. Com um pincel, mergulhado em carmim, deu côr ao rosto, naturalmente desmaiado. Apertado o espartilho e collocada atournureenfiou um rico vestido de setim. Chamou Virginia e pediu alfinetes. Pregou o vestido, pregou o cabello, pregou as saias, pregou-se a si e sahiu doboudoir.
--Ora esta! e não me ia agora esquecendo ocrême imperatrice--monologava ella, voltando á saleta.
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Defronte do espelho, recuando dois passos e fazendo tregeitos para um o outro lado, empoeirou-se gravemente.
Extrahiu do gavetão um lenço de cambraia; destapou um vidrito de jockey-club, perfumou-se e entrou na sala do baile.
O piano estava aberto. A viscondessa sentou-se. Dedilhou, ao acaso, uma escala e aborreceu-se.
Olhou para um espelho, mudou um dos ganchos do cabello e abriu a janella.
Uma brisa tépida soprava apenas. O sol ia declinando no horisonte. Nas ruas mexiam-se as multidões apressadamente. Alguns cavalheiros de chapéu na mão limpavam o suor da testa. As damas, mesmo á janella, agitavam os leques phreneticamente. Os freguezes entravam nos botequins, e pediam sorvetes.
Estava proxima a hora do passeio, a hora de luar, a hora de amor.
Seriam oito horas, quando a viscondessa cerrou a janella. Chegára-lhe finalmente a vontade de jantar.
Caminhou lentamente, deixando após de si um rumor surdo, e mui semelhante ao remexer de folhas, agitadas pelo vento.
Insaciavel, hysterica, nervosa, sentou-se á mesa pela segunda vez n'aquelle dia. Provou de tudo sem comer de nada. Bebeu um gólo de malvasiae fez-lhe uma careta insupportavel. Limpou os labios de coral e mandou arranjar o trem.
Prompta a carruagem e calçadas as luvas dirigiu-se para o theatro de D. Maria.
Representava-se aVida de um rapazpobre n'essa noite. A Viscondessa admiravel de bellesa e encanto, provocava de continuo os binoculos das plateias.
No fim do 3.oacto a porta da frisa abriu-se. Era Alfredo que entrava. A  Viscondessa sorriu-se.
--Sabe, Alfredo, que o esperei hoje todo o dia?
--E não o ter eu adivinhado, senhora viscondessa?
Se imaginasse o aborrecimento em que vivo decerto não seria tão cruel --para commigo.
--Mas, minha senhora, a minha posição... emfim... eu não sei...V. ex.a...
E a orchestra, tocando uma symphonia, deu o signal de despedida.
--Alfredo, enleiado e timido, sahiu da frisa. A Viscondessa cumprimentou-o, e, como sempre sorriu-se tristemente. O espectaculo continuou.
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Á sahida do theatro, quando a Viscondessa, acompanhada por um creado, punha o pé direito no estribo da carruagem um desconhecido, abeirando-se d'ella entregára-lhe um pequeno bilhete, ligeiramente perfumado.
Os cavallos partiram a galope. Apenas chegada a casa, a senhora, toda receio e anciedade, abriu o bilhete.
Desengano, desengano cruel! Não era de Alfredo a letra...
Mas de quem poderia ser? A quem attribuir aquellas palavras ardentes?
«Amo-te--escrevêra o anonymo.--Doidamente te amo. Tu decidirás da minha sorte. Sou pobre, sou operario. Embora! Hei de conquistar-te ainda mesmo atravez do sangue do meu rival.
--Sempre é muito atrevido!...--exclamava a viscondessa, despindo-se já.
Acendeu depois um charuto, um excellente charuto havano.
A pouco e pouco foram-se-lhe os olhos estreitando. Para um lado pendeu a cabeça abrasada, e para outro o braço, cuja mão deixava cahir o charuto, quasi apagado.
Languida, abatida, sensual a senhora adormeceu finalmente.
Virginia chegára pé ante pé e retirára a luz. O palacete, envolto em trévas, acompanhára o somno da sua rainha.
E assim se passava a vida da Viscondessa.
III
Alfredo
Alfredo da Silveira nascêra embalado pelos sorrisos da fortuna.
Teve uma casa que vendeu. E que bonita casa! Situada na orla da praia extendia-se deante d'ella o oceano como um vasto lençol, cujas dobras phantasticas se encolhiam e desencolhiam, consoante as horas e as marés.
N'essa casa viu a luz Alfredo. Ahi, envolto com o maternal carinho, aprendera elle a entoar as primeiras trovas da infancia; ahi tambem suspiroso, como um lago, e candido, como o céu, aprendêra a ser um filho honrado e um cidadão benemerito.
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Mas a infancia, esvaecida n'uma manhã de rosas, deixára após de si o lucto de um coração e a orphandade de uma familia.
A solitaria vivenda, circundada de festões e madre-silvas, sentira-se isolada e triste. Na viração da tarde já as flores silvestres não derramavam, como outr'ora, uns aromas tão vivos e tão profundamente salutares e amenos.
Ausentara-se dali a mulher angelica, boa, virtuosa, cujo espirito, evolado nas azas da saudade, fôra perante Deus rogar pela felicidade de seu unico filho.
E Alfredo chorou e chorou deveras...
Estava, porêm, na primavera da vida. Auspiciado pelas brisas da mocidade demandou a capital, cujo ruido o captava em extremo.
Dirigiu-se para Lisbôa e ahi fixou residencia.
Para qualquer que o visse seria o seu rosto gentil e levemente effeminado o mais seguro passa-porte de uma fina e aprimorada educação.
Usava de ordinario fato preto a que dava realçe uma esplendida camelia, artisticamente collocada naboutonniére.
Elegiaco por condição nada havia que o satisfizesse. Um vacúo immenso lhe torturava a existencia. Filho do tédio e vivendo para o tédio o seu espirito, agrilhoado por uma nostalgia sem limites, experimentava de continúo um mal-estar insupportavel, atroz, corrosivo, e porventura uma doença impossivel de definir-se.
A sua compleição delicada, e consumida pelos vinhos, agitava-se alternadamente entre dois mundos infinitos e contradictorios. Amava e não amava, queria e não queria, pensava e não pensava.
Alto, magro, nervoso tudo o impressionava com uma fatalidade irresistivel. O mundo era-lhe um phantasma sombrio, chimerico, cuja sombra elle amaldiaçoava, a todas as horas, no café, na rua, no bordel, na sociedade emfim.
Mulheres havia que sonhavam com o seu bigode louro, a sua cabelleira phantastica, e os seus sorrisos provocadores, ingenuos e ligeiramente ironicos.
Elle, porêm, detestava as mulheres em espirito, aproveitando-lhes o corpo e a carne, como um mero passa-tempo social.
Só uma vez amou, e, como Christo, profundamente.
Então foi ditoso muito ditoso.
doidamente,
loucamente,
A felicidade mirara-se n'elle, como uma donzella no seu espelho. Não
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lhe faltaram nem as crenças do berço nem as extravagancias da juventude. Tudo lhe sorrira, desde o leito que primeiro o amamentou até ao vinho, ao terrivel vinho que ultimamente o prostituiu.
Fôra ditoso...
Viajando viu muita coisa!
Viu mulheres novas que se abandonavam aos velhos; creanças loucas que se entregavam ás orgias, cuspindo na face das mães; politicos mercenarios, que, á maneira das mulheres de Babylonia, alugavam ao primeiro, que na estrada passava, a honra e a consciencia; exploradores sem conta, eternas Shylocks da publica miseria; paes que despresavam os filhos, irmãos que matavam os irmãos, mães que vendiam as filhas.
Viu muita coisa...
Passeando, admirou muito!
No Oriente encontrou mulheres formosas, pallidas, sansuaes. Depois passou á Grecia, a sábia, a divina mãe, onde Corina mais tarde teve o seu berço de flores. E ainda percorreu Roma, aquella Roma dos Cesares e darocha tarpeiae Verona a patria de Julietta, e a Escocia o theatro de Macbeth.
Admirou muito...
Bebeu sempre!
Provou o incomparavel tokai, esplendidofalernodos tempos modernos, encheu-se de absyntho e saboreou o alcool com delicia.
Bebeu sempre...
Fumou com ardôr!
O chibuca, o opio, o havano tudo lhe embriagou os sentidos, fazendo d'elle uma alma pagã e um corpo lascivo, môrno, cheio de tédio e de languidez.
Fumou com ardor...
Amou delirantemente!
Lembro-me tão bem...
A onda brincava travêssa sobre a praia longinqua. Uma brisa tépida, apenas, semelhando um leque de plumas, agitava docemente as vagas do Oceano. Como o arfar de uma mulher aos vinte annos, assim a natureza suspirava languida, nervosa, etherea.
E ao longe, atravez das brumas phantasticas, scintillaram seus vestidos brancos, suas faces pallidas e seu olhar azul.
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Sorrira-lhe pela primeira vez o ideal no horisonte da vida.
Aproveitou a serenidade do crepusculo para lhe fallar. Disse-lhe o que sentia. A creança encarou-o duas, tres, quatro, cinco vezes, sorrindo-se amavelmente.
Volvidos dias tornou-se a encontrar com ella n'um immenso, escuro pinhal. Ali confidenciaram largamente. Juraram amar-se.
E elle na sua louca estulta ingenuidade ousou acredital-a.
Desgraçado do moço, que tinha um coração, impossivel de esmagar.
Quando, passados annos, lhe disseram que ella se havia tornado uma grande mulher do mundo, a eternabas-bleu salões, sentiu-se dos inanimado quasi, imbelle, exangue.
Tentou afastar de si o gélido phantasma que o perseguia sem cessar, e que mesmo em vida lhe seria triste mortalha. Em cata d'ella correu, voou. Precipitou-se, finalmente n'um theatro, onde, pela quarta vez, a contemplou mais scintillante que uma esmeralda e mais loura ainda que um archanjo.
Á sahida do espectaculo experimentou um estranho choque no seu hombro direito. Olhou e viu-a a ella que lhe acenava com uma das mãos. Aproximou-se então. No lagedo da sala existia um pequeno bilhete que elle apanhou cuidadosamente.
«Espero-o amanhã, á uma hora da tarde»--escrevêra ella a lapis.
E, cheio de anciedade, tambem elle esperou pela aprazada hora.
Ao penetrar no seu quarto, d'ella, tremeu involuntariamente. Um singular ruido lhe captou os sentidos. Emilia jogava, e, na febre do jogo, ria descompostamente.
Sentou-se ao lado de um desconhecido.
Terminado o jogo seguira-se oCognac.
Beberam todos.
Emilia levantou-se depois, e cerrou hermeticamente todas as janellas do quarto. Derramaram-se perfumes em larga escala. No centro foi collocado um braseiro.
D'entro em duas horas estavam todos adormecidos. Só Alfredo, sentindo-se abafado, morto, enraivecido e não podendo conter mais a asphyxia que lentamente o devorava, começou de gritar terrivelmente, terminando por desfechar dois tiros de revolver na direcção da porta de entrada.
Acorreu muita gente. A porta foi arrombada.
Entraram todos.
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